segunda-feira, 17 de agosto de 2015

memórias literárias - 228 - DIVAGAÇÕES APÓS UMA VIGÍLIA

texto escrito sob intensa dor, com intensa saudade.
A dor Deus trata, a saudade torna-se rotina.
O consolo Deus concede.
Para relembrar, DIVAGAÇÕES APÓS UMA VIGÍLIA, de 2007.
----- Original Message -----
Sent: Saturday, June 23, 2007 1:59 AM
Subject: Divagações após uma vigília

 
DIVAGAÇÕES APÓS
UMA VIGÍLIA
228


 
Como te esquecer, oh, mãe!
Como não chorar tua ausência!
 
Conter as lágrimas não posso, pois lembro-me de ti!
 
Chegar da vigília e não encontrar-te é um martírio doloroso, que só os filhos que amam podem entender.
 
Lembro-me de teus cochilos, na sala de casa, coberta com teu manto cor-de-rosa, na tua poltrona reforçada, aguardando-me chegar da igreja.
 
Ah, mãe, companheira, heroína, amiga, cuidadora, anjo da guarda, teu sono era um quadro sublime, uma canção de ninar.
 
Quando chegava, pegava tua mão gelada, e tu, num susto e sorriso imediato, dizias: "Já chegou, filho? Como foi a vigília? Tinha muita gente? Eu só cochilei um pouquinho, estava acordada até agora. Que horas são?" E eu sorria, sabendo que tu dormiste me esperando.
 

 
Ah, mãe, por que temos que ser privados de quem amamos? Por que não podemos ir no lugar de quem estimamos? Por que Deus não me levou em teu lugar?
 
Hoje, na tua sala, só há teu quadro, lindo, magnífico, mas inerte, que não desperta, que não tem mão, que não me espera, que não sorri. Tua face nunca muda, tua cor, teu olhar. Sinto falta de ti...
 
Podes pensar: "já faz tempo", mas o que é o tempo no coração de quem ama? O que é o tempo para quem te perdeu para que o Céu ganhasse? Ah, mãe, como sinto tua falta!
 

 
 
Nos últimos dias, pegavas em minha mão, sob meu protesto, pois era tão freqüente, e me assustava tanto, porque dizias: "me dá a mão filho, ah, como me sinto segura segurando sua mão, meu filho!" Ah, mãe, hoje peço a tua, e recebo a mão de Deus, dizendo: "o que fiz não o sabes agora, sabê-lo-ás depois". Sim, mãe, Deus me estende a mão, me conforta, mas como custa chegar esse "depois", quando tudo se fizer claro e eu compreender perfeitamente a razão de tua partida tão precoce, tão rápida, me deixando tão desprevenido!
 
Enquanto escrevo, teu filho Daniel está voando, vindo de Rio Branco para São Paulo, numa cansativa viagem com escalas, trabalhando muito, fruto das tuas orações e de teu amor por ele. Se hoje ele continua a trabalhar, é porque isso dignifica tua memória e honra o teu nome, mãe querida.
 
Mais uma noite sem ti. Mais um dia com o peito a doer, mais um nó na garganta, mais um gemido profundo, a implorar: "dá-me tua mão, mãe querida, faz-me sentir seguro também!" Pensas que não choro baixinho? Pensas que não penso em ti ao levantar, ao deitar, ao dirigir meu carro, ao subir ao púlpito para pregar, ao trancar o portão da igreja? Ah, mãe, como foi custoso pregar na Igreja Batista de Vila Pompéia! Conquanto ame em demasia o pastor e os irmãos, sei que ali, que foi tua igreja, e onde estão centenas de tijolos que tu doaste para a construção do templo, está também o lugar do novo templo, que só conheceste na morte, no velório. São imagens tristes, de um dia pelo qual daria tudo para que não tivesse existido...
 
Teu sorriso ainda está em minha mente, mãe querida. Quando vejo minhas fotos, busco nela teus traços, e os encontro em meu sorriso, herança honrosa de teu ser! Mas há muito mais dentro de mim, que veio de ti: a vontade imensa de ajudar a todos, de resolver o problema de todos, de chorar as lágrimas dos outros e repartir o pouco que se tem com quem não tem! Sinto em mim a tua força de reagir às intempéries, e a tua dor que fazias questão de esconder, junto às lágrimas que derramavas baixinho, em teu travesseiro. Meu travesseiro é o e-mail, minhas lágrimas são as letras que compõem as sentidas frases que escrevo.
 

 
Tu não voltarás a mim, mãe amada e inesquecível, mas eu irei para ti. Sim, mãe, assim como Davi sabia que iria à criança que perdera, e assim como Cristo foi ao Pai, ao partir. Sei que estás com o Pai, não sei em que forma, não sei com que rosto, não sei em que tamanho ou cor. Mesmo que isso às vezes me cause desespero, conforto-me, sabendo que Deus não troca o bom pelo pior, mas pelo melhor. Se tu já eras linda e maravilhosa, como uma idosa vovó, quem dirá com tua gloriosa nova casa, teu novo tabernáculo, não feito por mãos, eterno, nos céus? Tu deves estar linda!
 
Pena que não me ouves, mãe amada! Porque, quando escrevo, satisfaço apenas ao meu desejo intenso e insuportável de sentir conforto e de falar contigo, de ver-te, de sentir a tua mão a segurar a minha; eu, teu filho, e tu, a minha mãe!
 
Deus, conforta-me, por favor! Enxuga minhas copiosas lágrimas, lágrimas de quem não é herói nem poderoso vencedor, mas de um menino entristecido, solitário, que chora a mão da mãe que perdeu no meio da multidão dos dias que passaram.  Conforta-me, amoroso Pai Celeste!
 
"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei, porque Tu estás comigo: a tua vara e o teu cajado me consolam".
 
Em nome de Jesus.
 
Amém.
 
Faz  9 anos, 3542 dias, 84991 horas, 5099511 mil minutos, que mamãe foi recolhida aos Céus, pelo Pai celestial.
 
Wagner Antonio de Araújo


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