CADEIRA
VELHA
373
Assentado na cadeira velha
o Seu João medita. Está com oitenta anos. Veste uma blusa verde-escura, de lã,
deixando para fora apenas seus punhos magros e brancos, pele avermelhada de
frio. As mãos estão enrugadas pela idade. Veste uma calça remendada, lembrança
da vida que um dia teve. Mora no asilo. Enquanto segura o encosto da cadeira
contempla o salão onde se encontra. Vários idosos, uns mastigando a dentadura,
outros assistindo a tv pequena no alto, com um programa de banalidades. No ar um
cheiro de local pouco higiênico. Cheiro de remédio, urina e água sanitária
formam um aroma peculiar, com o qual o Seu João ainda não se acostumou. Uma
enfermeira ajuda uma senhora a beber um copo de leite. Um outro acompanha o
Juvenal, de noventa anos, que precisa correr ao banheiro.
Seu João medita, agarrando
firmemente nos braços da cadeira velha. Olha o chão, de caquinhos vermelhos como
revestimento e encerados a cada quinze dias. Relembra a vida que já teve e o que
lhe restou nesta altura. Ele está neste lugar há seis meses. Ainda se lembra de
como chegou ali. O seu terceiro filho mantinha um quartinho ao fundo, pequenino,
para que o pai morasse. Tinha um banheiro, uma cama, uma cadeira e uma mesinha.
Era pequeno, mas confortável. Contudo, percebia a discussão da esposa, que
queria o espaço para o seu filho mais velho. Era desconfortável manter dois
meninos no mesmo quarto na idade da adolescência. Seu João percebia que o filho
se esforçava para não transparecer a dificuldade. Então o Seu João disse que
preferia um asilo, pois teria algumas pessoas da mesma idade com quem conversar
e que não se sentiria abandonado. À principio o filho não aceitava; com o tempo,
porém, acabou cedendo e conduziu o seu pai para a instituição. Mas o visitava
sempre que podia. Claro, o Seu João fingiu querer o asilo. Mas, bem lá no fundo
do coração, sentia que os últimos laços de família se rompiam e que dali somente
a morte o esperava. Era o fim de uma vida.
Vida feliz, diga-se de
passagem. Oitenta anos! Estudara tanto quanto possível e formara-se protético.
Casara-se com uma linda moça de seu bairro, Maria. Ah, foram felizes! Quando o
primeiro filho chegou, o Laurinho, quanta felicidade! O Pedro foi o segundo,
trouxe companhia ao Laurinho. E, por último, Oséias, o caçula. Fez o que pôde
pelos filhos. Trabalhou duro para fornecer o alimento, o vestuário, os estudos e
o lazer necessários. A cada dois anos tirava férias e levava a família para uma
semana na praia ou nas montanhas. Eram momentos preciosos e desfrutou-os um a
um. Difícil foi a época da adolescência. Os meninos brigavam muito e tinham que
ser disciplinados. Mas, ao final, tudo se resolvia. Quando o Laurinho casou-se,
foi um misto de alegria e tristeza (síndrome do ninho vazio). Logo os outros
dois também se casaram. Maria, ah, pobre Maria, adoeceu aos sessenta. Assim que
o Seu João aposentou-se (e o salário pelo qual recolheu o imposto foi caindo com
o tempo) dedicou-se quase que integralmente a cuidar de Maria. Ela durou cinco
anos e partiu, levando o seu coração consigo. Teve que vender a casa popular
para pagar as custas do tratamento. O seu filho mais novo o acolheu no quartinho
do fundo. Até que o Seu João resolveu deixar o filho viver a própria vida e
cuidar de seus filhos. Agora estava ali, solitário, no asilo do
bairro.
O vento da tarde lhe traz
tosse. A enfermeira lhe dá uma colher de mel. Ele agradece. Recolhe-se no seu
quarto, compartilhado com outros três idosos. Seus pertences resumem-se a um
armário de duas portas e quatro gavetas. Ali estão suas meias, lenços, cuecas,
pijamas, três camisas, três calças, duas blusas e um cachecol. Nos seus artigos
de higiene um polvilho granado, dois desodorantes, uma lâmina de barbear e um
pente. Ele tinha um cortador de unhas, mas enferrujou. Numa caixa de bombom
guarda as fotografias antigas de um tempo que não volta mais. Esparrama tudo na
cama e, com os olhos marejados de lágrimas contempla as fotos da esposa, dos
filhos pequeninos, da formatura na escola, dos avós, da oficina onde fazia as
dentaduras, do jardim de casa, do ônibus que o levava até o trabalho. Tem
guardada a aliança de Maria, que tirou do seu dedo anelar antes que a
sepultassem.
Seu João está triste. Os
amigos de sua idade já se foram. Os demais, residentes, estão ocupados com as
suas próprias tragédias; não têm tempo ou vontade de partilhar nada. Só há uma
novidade: os Gideões Internacionais deixaram um Novo Testamento com letras
grandes para cada idoso. E ele está gostando de lê-lo. Além de espairecer, lhe
dá alguma esperança. Será que há um Céu além da morte? Será que ele verá Maria
novamente? Será que Deus perdoaria os seus pecados? No sábado terá visitas. E um
grupo de jovens avisou que virá tocar músicas cristãs. É o evento pelo qual
aguarda, além da morte, que um dia chegará sem avisar.
* *
*
Há muitos idosos como o
Seu João. Eles estão nos asilos e nas instituições que cuidam de pessoas da
terceira idade. Muitos estão lá por abandono; outros, por opção, por amor, pois
não quiseram pesar na vida de seus filhos. Uns adaptam-se e tentam sobreviver
com alguma alegria; outros vivem de reminiscências. Mas todos aguardam o dia em
que a morte os ceifará. E talvez ninguém perceba.
O Seu João ainda tem a
possibilidade de encontrar um sentido para esta vida temporária e passageira:
ele pode encontrar a vida eterna em Jesus Cristo. Bendito seja Deus por aqueles
que tiveram o cuidado de presentear um novo testamento para os idosos. E
glorificado seja Deus por aqueles que atenderam ao coração e à voz divina para
visitar quem tanta solidão sente. Mas há muitos outros Joões que aguardam uma
atitude nossa, uma ação nossa, que lhes dê um pouco de dignidade, de companhia e
de esperança. Esperança que pode lhes salvar a alma, pois somente Cristo é a
Esperança! E, se temos Jesus no coração, temos também a responsabilidade de
compartilhar dEle com quem tanto precisa. E os idosos não podem ser
esquecidos.
O Seu João escancara a
realidade da vida à nossa frente: se Cristo não voltar logo iremos envelhecer. O
que temos hoje em termos de casa, estabilidade, recursos, companhia, irá mudar
radicalmente em vinte, trinta ou quarenta anos, e só Deus sabe se teremos um lar
acolhedor ou optaremos por buscar um asilo para ajudar a família a não nos ver
como estorvo e peso. A velhice existe e cresce dia após dia no corpo de cada um
de nós. É preciso saber envelhecer, mas, principalmente, é preciso ter certeza
de que há um porvir após a vida. E a Bíblia nos fala de um céu, real,
verdadeiro, disponível a todo aquele que crê em Cristo. Uma vida eterna, onde o
nosso corpo será perfeito, nem jovem e nem velho, que não adoecerá, que não
envelhecerá, onde Deus enxugará dos olhos toda a lágrima, e onde jamais
precisaremos dizer adeus! Cristo afirmou: "Na casa de meu Pai há muitas moradas.
Se não fosse assim eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos
lugar".
Que tal descobrir o Seu
João em sua família? Que tal visitá-lo? Que tal acolhê-lo? Que tal amenizar a
sua dor?
Que tal unir-se aos
cristãos de sua igreja e dar atenção aos idosos em uma instituição próxima,
tornando a vida deles um pouco menos penosa? Que tal compartilhar com eles a
salvação que há em Cristo Jesus? Afinal, se eles conhecerem a Jesus, terão vida,
e vida em abundância, mesmo sendo idosos!
Que tal orar agora e pedir
para que Deus use a sua vida?
Que Deus nos abençoe e
abençoe os nossos Joões!
Wagner Antonio de
Araújo
03/11/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário