quarta-feira, 13 de setembro de 2017

memórias literárias - 525 - BURACO NA IGREJA

BURACO
NA
IGREJA

 




 
525
 
A igreja precisava construir. O templo era velho, pequenino e o terreno comportava um salão muito maior. Em comum acordo os irmãos decidiram angariar recursos para a obra com ofertas e contribuições generosas, sem afetar os dízimos, com os quais sustentavam o trabalho da igreja.
 
Alcides não gostava. Achava que já contribuia demais. Entregava o dízimo para não ser excluído. Também o fazia para não ouvir Anastácia buzinar-lhe na orelha. "Marido, você não tem vergonha? Não aprendeu que somos responsáveis pelo sustento da obra de Deus?" Ele sabia como a sua esposa lhe incomodava quando deixava de contribuir. Dizimava como um seguro contra aborrecimentos. Mas ofertar para a construção? De jeito nenhum.
 
Uma tarde, após uma feijoada caprichada, Alcides decidiu dormir na rede amarrada nas mangueiras do quintal. A tarde estava quente, a sombra convidativa e o sono logo chegou. Com o sono veio o pesadelo.
 
Alcides viu-se no dia da inauguração do templo. Achou estranho, mas subiu as escadas. Reparou que as paredes externas estavam repletas de  buracos imensos e que o restante tinha acabamento completo. "Que estranho! Como puderam colocar revestimento, pintura, pedras, numa parede esburacada? Parece um queijo!"
 
Ele, a esposa e os dois filhos sentaram-se na bancada próxima de um desses buracos. O culto começara e um de seus filhos, pequeno, escapou do banco e saiu correndo em sua alegria infantil. Sem aperceber-se, seguiu para um dos buracos imensos da fachada e caiu dali, esborrachando-se no chão. Alcides e a mulher gritaram, correram e o culto parou. Foram todos olhar o corpinho do pequeno. "Meu Deus, por que?"; "Que pastor louco é esse que inaugura uma obra esburacada! Onde ele estava com a cabeça?" O pastor apareceu ali e lamentou muito também. Mas Alcides, enlouquecido e raivoso, agarrou-lhe o pescoço e gritou:
 
"Pastor, o senhor é louco? Por que essas paredes esburacadas? Por que não completou a construção?"
 
O pastor respondeu: "Esses buracos foram feitos por você, Alcides."
 
"Como por mim?" .
 
"Se você fosse solidário com a obra da forma com que votou na sua implantação, não haveria buracos na parede. Cada vez que você se recusou a participar, garantiu a permanência de um buraco. Sinto muito que o seu filho tenha caído por ele".
 
Nesse ponto Alcides caiu da rede. Agitara-se tanto nesse pesadelo que a corda da rede desamarrou-se da mangueira e ele foi ao chão. Suado, dolorido e perturbado, Alcides revoltou-se com aquelas cenas do sonho. Porém, após o ímpeto da revolta ("ninguém pode obrigar-me a contribuir"), ponderou sobre a sua responsabilidade com aquilo que poderia fazer e não fizera. Afinal, ajudara a decidir pela construção, mas não se julgava responsável por ela. Os defeitos que encontraria poderiam ser usados para atacar o pastor, mas, na verdade, seriam um retrato da falta de solidariedade de muitos. E o buraco por onde o seu filho caíra não era da parede, mas da falta de testemunho que daria ao pequenino, demonstrando a ele que contribuir não era um privilégio, mas um peso.
 
No culto da noite Alcides estava diferente. A construção estava muito atrasada, com poucos recursos. Mas no momento da contribuição Alcides foi com toda a família levar a sua parte. Não era uma grande quantia, se considerada a necessidade geral, mas era o seu melhor, feito com sinceridade e sacrifício. Com ela ajudava a demonstrar aos filhos a nossa responsabilidade para com a Obra do Senhor, inclusive na provisão de recursos da casa de oração onde congregavam.
 
Prezado leitor, como Corpo de Cristo somos responsáveis pela casa de oração onde servimos ao Senhor, pela Obra de Deus onde participamos. As nossas ausências não serão cobertas por ninguém; serão um buraco na construção, senão no aspecto material, certamente no espiritual, com exemplos tristes de falta de amor e de consagração. Aquilo que fazemos em silêncio será ouvido em alto e bom som pelos pequeninos que nos observam.
 
Levantemo-nos e ergamos a obra do Senhor! Sejamos partícipes, afetuosos e responsáveis. E não deixaremos brechas por onde outros venham a cair.
 
Que Deus nos abençoe.
 
Wagner Antonio de Araújo

13/09/2017

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