quinta-feira, 28 de setembro de 2017

memórias literárias - 534 - SOLIDÃO E SOLITUDE

SOLIDÃO E
SOLITUDE
 

 
534
 
Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes não seja imputado. (2Tm 4:16)
 
E, à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Mc 15:34)
 
Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um para sua parte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo. (Jo 16:32)
 
Sentir-se só; quem já não enfrentou essa circunstância? No mundo em que vivemos isto é o que de mais comum existe.
 
O mais interessante é que, quanto mais nos aprofundamos nas tecnologias de comunicação mais nos distanciamos dos outros seres humanos e, quiçá, do próprio Deus.
 
Quando o transporte era precário e difícil, muitas vezes impossível, só nos restava um telefonema. Quando nem este estava disponível, então a carta. Ah, e quanto bem tais eventos faziam! Há quem guarde a sete chaves as cartas de um amor, de um familiar, de um amigo querido, cartas cujo teor são como pepitas d'ouro!
 
Nestes tempos modernos, entretanto, a distância multiplica-se na proporção de seu próprio desaparecimento. Veja-se o alto índice de suicídios: geralmente são pessoas que utilizam-se dos celulares, dos computadores, das comunicações em redes sociais, mas que, infelizmente, estão mais sozinhas do que nunca!
 
Isto porque gostamos de algo que seja especialmente feito para nós, não para as massas. Queremos ouvir uma voz a nos falar, algo que foi dito só a nós mesmos. Queremos uma linha, um telefonema, um áudio de whatsapp, um e-mail, um sinal de que somos importantes para aqueles a quem julgamos relevantes para conosco.
 
Contudo, em lugar disto, recebemos toneladas de mensagens, de correntes, de figurinhas, de carinhas a sinalizar sorrisos, frases de efeito, florezinhas abertas e outras que se transformam em passarinhos etc. São coisas artisticamente perfeitas, verdadeiras flores plásticas, tão belas e tão mortas na fonte! Ao final elas não nos dizem absolutamente nada; pelo contrário, elas nos aborrecem! Em troca delas gostaríamos de um mero "olá, tudo bem?" ou "um abraço", o que nos seria muito mais vivo e humano.
 
A solidão é a sensação de que não somos importantes para ninguém. A nossa dor, a nossa alegria, a nossa decisão, os nossos sentimentos, nada disso a ninguém tem importância. A dor de um desprezo, de um esquecimento, de um deixar de lado é algo que cavoca até as entranhas d'alma. Aos poucos nos sentimos exauridos de forças e a exaustão pode levar ou à revolta ou ao caos emocional.
 
Cristãos sentem-se sós também. Citados no início, temos o Apóstolo Paulo a sentir extrema solidão e injustiça quando viu-se abandonado pelos próprios cristãos em seu julgamento de instância maior. Sentiu-se desamparado, abandonado, solitário. Citei também Cristo, o nosso Salvador. Ele, no alto de toda a sua estatura de Deus-Homem, restrito por decisão própria de Seus poderes e glória, sentiu profundo desamparo e solidão no alto da cruz de ignomínia. Aqueles instantes sem a luz e a glória do Pai, com quem viveu desde que eternidade existe, foram-lhe cruéis o bastante para fazer soar o mais dorido clamor divino: "Por que me desamparaste?"
 
Sabemos que Sua dor foi vicária. Ele sofreu em nosso lugar. O castigo que nos traz a paz estava sobre Ele. Assim que expirou encontrou-se com o Pai. Andou no Paraíso, anunciou aos mortos a Sua vitória e foi assunto ao Céu. Jesus nunca esteve e nunca estará só, senão naquele ato substitutivo em nosso favor.
 
Encontramo-lo a tecer comentário sobre isso: "Nunca estou só, porque o Pai está comigo". Jesus não precisava do calor e do afeto de seus imperfeitos apóstolos e interesseiros seguidores. Os que dele se aproximavam o faziam para obter favores, pães multiplicados, cura das vistas, cura das pernas, pés, braços e mãos. Foi mui raro uma Maria que sentou-se aos pés do Senhor pelo simples prazer de privar de um tempo especial com Ele, sem querer nada em troca, exceto o que aprendia. O Senhor tinha prazer nas criancinhas que se alvorossavam sobre Ele, com toda a informalidade e entusiasmo típico dos que ainda não haviam aprendido a hipocrisia. Ele as tomava no colo, Ele as abençoava e ralhou com os apóstolos que queriam impedir o sagrado encontro de pequeninos homens com o Seu Grande Idealizador, encontro de legítima motivação de amor e prazer, sem interesses outros.
 
Este Jesus que sentiu solidão e que nunca esteve só, exceto no ato vicário de sacrifício por nós, experimentava, contudo, momentos privativos escolhidos e preparados com muita perfeição. Eram as madrugadas, únicos momentos onde a demanda popular não lhe exigia dedicação. Naquelas brisas noturnas tinha o Senhor a sua SOLITUDE, que não é solidão, mas escolha pessoal de desfrutar a sós a íntima comunhão com o Seu Pai. Certamente que privava também de momentos especiais Consigo mesmo, uma vez que sempre sabia o que fazer e quando fazer. "Sempre faço o que Lhe agrada", dizia Ele.
 
A resposta para a solidão avassaladora das redes sociais, dos e-mails, dos relacionamentos plásticos e dos encontros por interesse, que nada satisfazem a alma, que trazem tantos vazios existenciais, é a escolha racional e espiritual de primar pela amizade com Deus, de momentos a sós com o Criador, de instantes profundos de adoração íntima e de comunhão profunda com Cristo. Não há solidão que resista à solitude de uma alma em comunhão com o Criador.
 
Que tal o leitor amigo, que gastou tempo a ler o meu artigo, analisar os seus relacionamentos e verificar a veracidade do que afirmo? Enquanto escrevo há muitas mensagens que chegaram ao seu celular e e-mail, talvez alguns telefonemas, mas o vazio e a solidão não foram atingidos e aquilo que mais queria não veio, a atenção e a sensação de ser realmente especial.
 
Faça o propósito de buscar ao Senhor em solitude determinada. Foi Ele mesmo quem nos ensinou:
 
Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. (Mt 6:6)
 
Que Deus nos abençoe.
 
Wagner Antonio de Araújo

28/09/2017

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