sexta-feira, 12 de junho de 2020

memórias literárias - 890 - A MANTINHA QUE GUARDEI

A MANTINHA
QUE GUARDEI
 
 
890
 
Míriam vivia com uma filha. Viúva e idosa, recebia amor e cuidados de todos os filhos, mas optou por morar com Giliam, a filha mais velha. Sua neta levava o seu nome: Míriam. Ela vivia bem, era crente fiel, amava a Jesus e vivera intensamente os seus noventa e dois anos. Mas sentia que a hora da partida estava próxima.
 
Chamou a netinha para uma conversa.
 
- Míriam, querida, venha aqui com a vovó.
 
Míriam, a neta, chegou-se sorridente. Chegara da faculdade, trazida pelo noivo atencioso. A vovó foi até o guarda-roupa e tomou uma velha caixa de papelão. Abriu-a e de lá retirou uma cobertinha de criança.
 
- Nossa, vovó, que linda cobertinha. De quem era?
 
Então vovó contou-lhe a história daquela peça de roupa.
 
- "Minha filha, eu tinha quatro anos de idade. Papai era muito amoroso. Ele tinha muito pouco, mas buscava suprir-nos do que fosse melhor. Eu e meus irmãos sentíamos frio e tínhamos cobertinhas já usadas, que nossas tias nos davam. Mas não havia nenhuma que pudéssemos chamar de nossas por completo.
 
-"Naquela tarde papai saiu para a rua do comércio e trouxe-nos um presente. Para cada filho uma mantinha. Justino, meu irmão do meio, ganhou uma de super herói. Isabel, minha irmã mais nova, uma de bichinho. E eu ganhei esta. Fiquei tão feliz, minha filha!
 
-"Depois que saí para festejar, resolvi voltar e disse ao papai: Papai, vou guardar esta cobertinha para toda a minha vida! Ele, emocionado como era, chorou. E me falou: Quando você ficar velhinha e sentir que a hora de partir virá, presenteie para a sua neta". Querida, hoje eu entrego esta mantinha para você.
 
- Vovó, não fale bobagem! A senhora não pode nos deixar! Nós não saberíamos viver sem a senhora!
 
- "Eu sei que vocês me amam, querida. E não sei quando o Senhor virá me recolher. Mas quero que você receba esta cobertinha e que cuide bem dela. Se você tiver filhos e netos, presenteie a uma filha ou a uma neta. E conte a história dessa mantinha. Se Jesus voltar antes você estará livre do compromisso. Mas se não voltar quero que a dê a uma descendente. Você faz isso para mim?
 
- Puxa, vovó! Quanta honra a senhora me dá! Eu não me sinto digna de cuidar de algo tão especial! Mas pode ficar sossegada que vou levar comigo por toda a vida. Eu me comprometo a passá-la para a filha ou a neta que tiver. E se não tiver ficará para o meu irmão. Combinado?
 
Míriam, a avó, beijou a Míriam, a neta. E, à luz do sol de outono, na janela, choraram e sorriram.
 
Compartilhar memórias de família é um bem precioso. Principalmente quando envolvidas com amor e com beleza. Coisas tão simples e baratas, como uma mantinha, tornam-se especiais e sem preço, pelo muito que representam, pela história que celebram, pelos elos que registram.
 
Feliz daquele que tem boas lembranças daqueles que lhes deram origem!
 
Wagner Antonio de Araújo
 
Oferecido à minha pequena Rute Cristina Farias de Araújo

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

memórias literárias - 1477 - CHORA, Ó RAQUEL...

  CHORA, Ó RAQUEL...   1477   Quando o Senhor Jesus Cristo fez-Se homem, nascendo do ventre de Maria, Herodes o Grande desejou matá-Lo...