sábado, 20 de junho de 2020

memórias literárias - 895 - PÁGINAS SOLTAS - JURANDIR


JURANDIR

895
 
Era um congresso regional. O objetivo era estudar a Palavra de Deus. Convidaram o Jurandir para ser o preletor. Ele era conhecido por muita gente. Gostavam de ouvi-lo pregar. E pregou bastante. Pela manhã trouxe a teoria. À tarde a aplicação. E no culto da noite o apelo evangelístico. Tudo muito bom.
 
À porta, enquanto saudava os presentes e recebia os devidos cumprimentos, viu 5 amigos de longa data: André, Bernardo, Carlos, Diogo e Élcio.
 
- Mas que alegria, meus amigos! Vocês por aqui?
 
- Ah, sim, Jurandir, não queríamos perder a sua mensagem. Como estamos de férias resolvemos vir lhe escutar. E que mensagens boas! Meus parabéns!
 
- Obrigado, meus velhos colegas!
 
Eles eram amigos na mocidade. Membros de igrejas próximas, foram estudar na faculdade juntos. Prepararam-se e aguardaram convites.
 
André foi para os Estados Unidos. Ele dominava o idioma e era intérprete de americanos que vinham em conferências. Estabeleceu-se na Flórida como pastor. Foi muito bem sucedido.
 
Bernardo foi para o sul do país. Amante dos pampas e das montanhas, foi missionário e acabou se estabelecendo numa querência muito próspera. Era pastor e também produtor rural. Vendia leite e animais para o abate.
 
Carlos era erudito. Na faculdade já demonstrara o seu talento. Tornou-se professor no maior seminário da denominação. Tinha casa, carro, salário e muitas viagens. E muitos alunos para treinar.
 
Diogo administrava uma grande missão de construtores de igrejas. Desde pequeno ele aprendera a construir. Seu pai era mestre de obras. Ele pastoreava e construía capelas. Já estava na 45a. Era muito bem sucedido.
 
Élcio acabou sendo pastor-livreiro. Ele ajudava o professor na venda de livros teológicos e decidiu abrir uma livraria. Já possuia 5 filiais. Ele pastoreava uma igreja boa também.
 
Os amigos se abraçaram e decidiram jantar num restaurante da cidade.
 
- Jurandir, por que você ficou neste fim de mundo? Vila Fumaça? Com tantas oportunidades que surgiram acabou gastando a vida nesse lugarejo! O que aconteceu?
 
Jurandir sorriu, olhando para o prato.
 
- Eu lhe enviei um convite para vir pastorear na Flórida! - disse André.
 
- E eu consegui uma cidade alemã bem no alto da montanha em Santa Catarina para você, Jurandir! Você disse que não! - foi o que disse Bernardo.
 
- Eu tenho a consciência tranquila. Tinha vaga para lecionar 4 matérias onde você seria o máximo. Você sempre me dava desculpas  - Falou Carlos.
 
- Depois que ajudei você na construção do templo de sua igreja não nos falamos mais. - Foi o que Diogo disse.
 
- E eu havia lhe convidado para ser gerente da livraria daqui da região - Completou Élcio.
 
- CONTE-NOS COMO VOCÊ VIVEU ESTES ANOS, JURANDIR!
 
Então esse pastor de meia idade narrou a sua história, atualizando os amigos sobre os acontecimentos.
 
- Vila Fumaça era o fim do mundo. Quando comecei ali era terra que ninguém queria. Mas eu senti que Deus me conduzia para trabalhar com aqueles poucos irmãos. E eu obedeci. Não foi fácil. O salário sempre baixo, as dificuldades sempre grandes, mas aos poucos fomos nos acertando.
 
- Vocês me convidaram várias vezes e eu sou grato por isso. Até a igreja não compreendia a razão porque eu sempre recusava. Eles queriam que eu tivesse um progresso; senão por mim, mas pelos meus filhos. Eu explicava que eles eram importantes para mim e que não os deixaria enquanto não estivessem bem. E fomos vivendo.
 
- Quando completei vinte anos aqueles irmãos me deram um pacote de férias para que minha família viajasse com tudo pago. Fiquei muito grato. Foram quinze dias inesquecíveis. Enquanto estive fora eles trataram de fazer alguma coisa por mim.
 
- Abriram uma assembléia e discutiram a minha situação. Estavam tristes porque eu dedicara toda a vida a pastorear uma igreja num lugar tão pobre e eles queriam fazer algo por mim. Discutiram muito e concluiram que não era justo eu ter dado preferência a eles e nada receber como retorno. Leram aquele texto bíblico: E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui. (Gl 6:6). E concluíram que apenas o salário pequeno que podiam me pagar não era suficiente para demonstrar o carinho e a gratidão.
 
- Um dos membros possuía uma casa e três lotes ao lado. Os irmãos decidiram pedir que vendesse dois deles para a igreja por um preço bem pequeno e que doariam a mim. Um dos membros era dono de uma loja de materiais de construção e este decidiu vender o material suficiente para a construção de uma casa sem lucro e por 50% do valor, doando a outra parte. E os homens uniram-se em mutirão, enquanto as mulheres cozinhavam e faziam transportes e contatos.
 
- Enquanto estávamos em férias eles levantaram uma casa de 2 quartos com suíte, varanda e quintal. Também compraram de um irmão um carro semi-novo, pois o meu, de 20 anos, já estava no fim da linha.
 
- Quando cheguei de viagem foram me esperar no aeroporto. Mas, ao invés de me levarem para casa conduziram-me para a nova casa. Eu, a descer, não entendi nada, nem a minha esposa. Mas quando nos falaram do que havia acontecido nós saltamos de alegria e choramos copiosamente. A casa já estava mobiliada, o carro estava impecável e havia até uma pequena piscina ao fundo do quintal, junto à edícula dos fundos. Fizeram um culto no domingo, homenagenando-me e dando-me presentes que eu nunca havia ganho. Ganhei ternos, camisas, sapatos, e minha esposa e filhos roupas, objetos e brinquedos.
 
- Então, meus amigos, eu só posso agradecer a Deus por ter se lembrado de mim na Vila Fumaça. E a vocês, por se preocuparem comigo. Deus tem sido misericordioso!
 
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Ofereço este texto a todos os pastores que ousaram ficar em seus pequeninos lugares, servindo a um povo que tanto precisava da Palavra de Deus. E também para inspirar igrejas a que recompensem os seus pastores de longa data, não deixando de expressar o cuidado, o zelo e a merecida atenção. O Jurandir pode ser o pastor de quem me lê!
 
E se esta recompensa descrita não for a que experimentaram os pastores que me lêem, ou que nunca experimentarão em vida (não por falta de recursos e oportunidades das igrejas, mas pelo desprezo e a falta de gratidão que impera), creiam-me: Deus suprirá as suas necessidades mais dia menos dia. E lá no Céu, parada final de seu mnistério, receberão muito mais que isso. Receberão um "bom está, servo bom e fiel". E isto valerá mais do que tudo!
 

Wagner Antonio de Araújo.

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