quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

memórias literárias - 412 - HÁ TRINTA E SETE ANOS ATRÁS...

TRINTA E SETE
ANOS ATRÁS...

eu, antes de minha conversão.
 
412
Eu tinha quatorze anos. Trabalhava como office boy no BCN Servel na Vila Romana, São Paulo. Iniciara com um colega, o Camilo, uma pesquisa sobre qual seria a bíblia verdadeira. Tencionávamos entrevistar grandes líderes religiosos (Chico Xavier, Dom Paulo Evaristo Arns, Manoel de Melo etc). No Carnaval marcara uma entrevista com um seminarista católico, no Seminário São Camilo na Pompéia. No dia em que marcamos ele saíra para pular Carnaval e não pôde atender-me... Decepcionado, quis abandonar a pesquisa, não fosse um acontecimento...
 
Por alguns meses igrejas depositaram em minha caixa de correios folhetos evangelísticos. A maioria dizia respeito ao fim do mundo. Eu, adepto da reencarnação, imaginava consertar os estragos desta vida numa outra existência. Se o mundo acabasse o que poderia fazer? Isso causava-me pânico. Um folheto, "Previsão Científica do Fim do Mundo" causou-me pavor. Dizia que os cientistas previam o alinhamento dos planetas em 1982 e isto poderia gerar catástrofes apocalípticas. Dizia o texto que, mesmo se as coisas não acontecessem naquela data, a bíblia assegurava que um dia aconteceriam. Manuseei tanto o folheto que o perdi.
 
Na quarta-feira de cinzas eu voltava para casa à pé. Estava pensando na bronca que levara do meu chefe, que reparara nas minhas roupas desalinhadas (eu tinha cabelos compridos, roupas amassadas e rasgadas, algo meio hippie). Ao chegar próximo da minha casa vi um senhor a coçar a cabeça no meio da rua com um pacote de folhetos na mão. Pensei: já pensou se fosse aquele folheto que eu perdi? Corri para a minha casa e vi que ele nada depositara ali. Mas estava a distribuir nas casas anteriores e iria chegar na minha. Quando passou pelo meu portão cumprimentou-me e ofereceu-me um folheto. Eu perguntei-lhe: o senhor conhece o japonês que escreveu este texto? Ele disse: não foi um japonês; foi um russo, eu! Timofei Diacov. Fiquei eufórico. Perguntei se me concedia uma entrevista sobre a Bíblia. Disse que sim. Marcamos para o sábado, dia 23 de fevereiro de 1980. Lá se vão 37 anos desde então!
 
Na data marcada, na casa do pastor, às 15 horas, sob uma tempestade barulhenta, fui recebido e ficamos na sala. Eu, com o meu rádio-gravador AIKO, gravei uma entrevista que discorreu sobre toda a bíblia. Fiz perguntas de Gênesis a Apocalipse, passando pelos livros apócrifos. O pastor ficou perplexo com a minha voracidade em saber e pelos conhecimentos que um menino de 14 anos já colecionara sobre o livro de Deus. Ao final a Dna. Elzira, sua primeira esposa, convidou-me para ir à igreja no dia seguinte. Eu disse que não, pois minha mãe brigaria. Ela disse que seria um complemento da entrevista. Eu fiquei de pensar. Voltei para casa, um quarteirão dali. E passei a noite a ler a bíblia, uma vez que o encontro me dera sede de conhecer melhor o livro de Deus. Pensei na cena que presenciara na casa do pastor: o seu filho Jair servia o exército e chegara em casa; sentou-se ao lado da mãe; e então os três, alternadamente, recitaram para mim o Salmo 23. Eu imaginava que aquilo era ficção, uma família unida e recitando coisas de Deus! Em minha casa nós nem vivíamos reunidos e as palavras que eu ouvia eram tudo, menos de Deus...
 
Acabei deitando de madrugada, após mais de uma centena de capítulos lidos. Acordei à tarde. Fui assistir Os Trapalhões na TV. Lembrei-me do convite de Dna. Elzira. Sujo, com roupa rasgada, de chinelo no pé, desci 10 quarteirões, rumo à Igreja Batista em Sumarezinho. Quando cheguei o templo estava fechado, apenas a parte de baixo estava aberta. Desci uns degraus e ouvi o vozerio de gente em um salão. Lembrei-me de mamãe a ralhar comigo: "Não se meta com crentes, essa gente gruda como carrapato". Então subi. Mas a curiosidade aguçou e desci dois degraus novamente. O pastor me viu e correu abraçar-me. Conduziu-me ao salão de jovens. Mais de vinte. Todos muito bem vestidos e cheirosos. Uma menina seminarista, a Glair, pregava aos presentes. Falava sobre o banquete do rei e os amigos de Daniel. Dizia que eles escolheram legumes e foram mais saudáveis, tanto quanto nós deveríamos escolher a vontade de Deus e sermos felizes. Fiquei impressionado. Eu conhecia meninas dos bailes que frequentava aos sábados, mas jamais tinha visto alguma que falasse das coisas de Deus ou jovens tão limpos e distintos!
 
Subimos ao templo. Nenhuma imagem. Nenhuma cruz. Fui ao pastor e perguntei onde estavam as imagens e o que era aquela janela na parede. Ele disse que aquilo era o tanque do batistério e que não tinham imagens. Eu disse que era bom arrumar uma, pelo menos... O culto começou. Eles todos tinham bíblias. Que bacana! Tinham um livreto de músicas (Cantor Cristão) e cantavam com a família toda. Eu pensava nas brigas e xingamentos que escutava em casa, como eram diferentes do que presenciava ali, com pais e mães ao lado dos filhos, cantando a Deus! Quando oravam abaixavam a cabeça como que crendo que alguém os ouvia! E então o pastor começou a pregar. Eu confesso não me lembrar exatamente do texto e da mensagem, mas me lembro perfeitamente do apelo que fez. O pastor falou que Jesus ocupara o lugar de Barrabás na cruz do Calvário, e que também ocuparia o meu, se tão-somente eu confessasse os meus pecados e decidisse crer em Jesus de todo o meu coração. Cantaram o hino 270 daquele livro. "Jesus, Senhor, me achego a Ti. Oh, dá-me alivio mesmo aqui! O Teu favor estende a mim, aceita um pecador". Aquilo levou-me a imaginar o Calvário. Havia assistido recentemente a um filme chamado Barrabás. Lembrei-me do ator a olhar a cruz com Cristo a sofrer. E imaginei-me no lugar do Barrabás. "Quer aceitar a Cristo como Seu salvador? Levante a mão!" Eu pensei: é comigo que ele fala. Vou me manifestar. Mas, imediatamente imaginei a minha mãe a ralhar comigo. "Não se meta com esta gente". E o apelo continuava. Na quarta chamada ergui a minha mão. O pastor, emocionado, chamou-me à frente e orou por mim. Ao final todos cumprimentaram-me, dando-me parabéns. Eu dizia: não estou fazendo aniversário...
 
Ao chegar em casa experimentava uma grande alegria! Ao pedir a bênção de minha mãe, disse: "mamãe, aceitei Jesus!" Ela, aflita e com muita raiva, disse: "Você renegou a fé de nossa família". Chorou. O meu pai foi ao seu arquivo, tirou um revólver calibre 38 carregado, apontou para mim e disse: "Se você se batizar, eu lhe mato". O meu irmão deu-me uma bofetada e falou: "você não é mais meu irmão". Que celebração! Tudo isso há trinta e sete anos atrás, num domingo à noite! 24 de fevereiro de 1980!
 
Eu louvo ao meu Senhor Jesus Cristo, que usou a vida do Pastor Timofei Diacov para trazer-me a mensagem de salvação e criar-me nos ensinamentos da Palavra de Deus. Eu bendigo a Deus que converteu o meu pai, Antonio Paulino de Araújo, o meu irmão, Daniel Paulino de Araújo, e a minha mãe, Elzira Bonfante, ao evangelho de Cristo. Papai converteu-se em junho de 1980, ao lado de meu irmão Daniel. Partiu para Cristo em 1991. Daniel converteu-se com meu pai em junho de 1980 e é hoje o meu braço direito na igreja onde sirvo a Deus, junto com toda a sua família. Mamãe converteu-se um ano depois, em 1981 e tornou-se uma daquelas santas mulheres de vida inteiramente dedicada ao Senhor. Foi morar no céu em 2005. E eu casei-me com uma serva de Deus em 2011, tornando-me pai de uma linda menina e estou aguardando a chegada do garoto para o próximo mês de abril.
 
Por tudo isto eu digo: muito, muito obrigado, Senhor!
 
Wagner Antonio de Araújo
23/02/2017
 
 

Papai, Pr. Timofei e mamãe, em 1980


papai, Daniel, eu e Pr. Idelino, em 1981


Batismo e Ceia do Senhor de papai e Daniel, 1980


Batismo de mamãe em 1981


Minha família servindo ao Senhor em 1982, na frente da Igreja
Batista em Sumarezinho, São Paulo.
Na foto, da esquerda para a direita:
Pr. Israel e Damares, irmã Cida Gonçales, irmã Flora Faustino,
eu, Pr. Albino Faustino, Ademir,
meu pai, minha mãe e meu irmão Daniel.


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