terça-feira, 30 de abril de 2013

memórias literárias - 74 - TÍTULOS VAZIOS


74 - TÍTULOS VAZIOS


Recebi há pouco uma carta, convidando-me para um congresso em certa igreja. No bojo do convite estava escrito: “Você não deve e não pode perder o evento, porque não serão simples pastores a ministrar a Palavra e a oração, mas bispos, profetas e três apóstolos!”


Pensei comigo: já vi esse filme antes. Quer dizer, ver eu não vi. Eu li.

Conta-nos a bíblia, em Lucas 22.24-27, que os apóstolos estavam discutindo e polemizando no dia em que Jesus celebrava com eles a Ceia. Era um momento de extrema solenidade e grandioso significado. E em quê estavam ocupados? Em saber quem era o líder, quem era o maior. Jesus afirmou-lhes categoricamente: “Entre vós não será assim, antes o maior entre vós seja como o menor, e quem governa como quem serve”. (v. 26).

Em outra ocasião, quando o Senhor fazia o célebre sermão contra os fariseus, declarou em alto e bom som: “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi; porque um só é o vosso Mestre, e todos vós sois irmãos. E a ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque um só é o vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem queirais ser chamados guias; porque um só é o vosso Guia, que é o Cristo.” Isto está em Mateus 23.8-10.

Ou a minha bíblia está desatualizada (há tantas bíblias ao gosto do freguês hoje em dia, não é mesmo?) ou então a igreja evangélica brasileira entrou por uma estrada altamente perigosa. Jesus disse: “Mas o maior dentre vós há de ser vosso servo. Qualquer, pois, que a si mesmo se exaltar, será humilhado; e qualquer que a si mesmo se humilhar, será exaltado”. (idem, 11 e 12)

É que hoje vivemos a realidade defeituosa da “qualidade total”, dos projetos megalomaníacos de ostentação de números e poder em várias de nossas igrejas. É a sedução dos números e a sedução dos poderes.

Para demonstrar o poder de Deus apresentam um relatório do número de pessoas que as freqüentam. E, para deixar mais oficial ainda, hierarquizam os ministérios, nomeando pastores simples, pequenos líderes de igrejas insignificantes, até os grandes apóstolos, detentores de maior poder e maior unção. Meu Deus, a que ponto estamos chegando! Por tantos anos lutamos contra a igreja institucional, a igreja-hierarquia, o romanismo, e agora estamos fazendo pior ainda, porque, não raras vezes, os chamados “apóstolos” não possuem qualidades espirituais, intelectuais ou morais nem para serem obreiros! É tão fácil virar apóstolo hoje em dia!

Só fico pensando: o que virá, depois de apóstolo? Sim, porque haverá uma hierarquia, isso está no ser humano. Será superapóstolo? Será querubim? Ou então será o semideus? Meu Deus...

Eu sou um pastor. E o que me faz maior ou melhor que meus irmãos? Nada! Eu sou igual a eles, só recebi do Senhor uma incumbência, uma responsabilidade, e sou duas vezes responsável: responderei pelo que vivo e também pelo que ensino. Mas sou um irmão, e só isso! Respeito o bispado das denominações historicamente episcopais. Mas atualmente a questão não é essa. O que transforma um pastor num bispo, nos novos cultos evangélicos, tem mais a ver com abrangência, carisma e coleta, do que com administração. “Arrecadam mais, ajuntam mais gente”. E onde está escrito que deveriam ser apóstolos quando alcançassem esses alvos?

Hoje, ser pastor parece não ser mais suficiente. Missionário então, só os remanescentes. Agora a moda é apóstolo, mesmo que não tenham sido testemunhas oculares do ministério de Jesus. Aliás, foi tão difícil achar um substituto para os doze, votaram em Matias, quando talvez Paulo devesse figurar entre eles, e agora temos verdadeiras fábricas de apóstolos.

E o que eles têm de diferente? Dizem que são mais ungidos, que manipulam as forças espirituais com maior autoridade, etc. Claro: o pretexto é a abrangência do significado da palavra: missionário, fundador de trabalhos, pioneiro, etc. Ou então as novas profecias que vão aparecendo, recomendando a ressurreição e restauração do "ministério apostolar". E assim vamos caminhando, apostolando a igreja evangélica.

Que Deus nos ajude a voltar às páginas da bíblia! Vamos parar de encaixar pessoas no versículo que cita “apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres” e vamos começar a ter a humildade de dizer: “sou só um servo do Senhor, e nada mais”. Paremos de ofuscar a beleza de Cristo com a feiura da vaidade humana! Paremos de nos autopromover, sob o pretexto da espiritualidade, e vamos fazer valer o nosso título de cristãos!

Ministros: sejamos só irmãos, só pastores, isso já basta. Que Cristo cresça, e que nós diminuamos! Seja Deus engrandecido, e que o Espírito Santo nos ajude! Amém.

Wagner Antonio de Araújo, irmão em Cristo, chamado para servir como pastor no rebanho de Deus.
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
bnovas@uol.com.br

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