109 - PASTORES TAMBÉM
CHORAM
Encontrei-o tristonho, pensativo. Vi
que havia um lenço sobre a mesa. Ele chorara.
Um pastor muito meigo,
ajudador, um bom amigo. Carregava a sua tradicional sacola com folhetos e
livros. Lia muito e também visitava. Mas hoje estava triste.
"Olá, Pastor
Assis. O que há? Estava chorando?" Ele tentou recompor-se para cumprimentar-me,
explicando-se: "É o frio paulistano, ninguém esperava tanta friagem, não é
mesmo? Estou com um pouco de coriza". Claro que era uma desculpa. Sentei-me e
pedi o nosso tradicional café com leite. Para acompanhar, uma gostosa coxinha.
Aquela padaria da zona leste é muito boa.
- Ah, Pr. Wagner, às vezes o
coração se entristece!
- Eu sei, Pr. Assis. Como sei! Mas o que é que
acontece hoje? Por que está tão reflexivo?
- Talvez me sentindo
esquecido, colega. E perguntando para mim mesmo se o que faço tem valido à
pena.
- Pastorear?
- Não! De forma alguma! Depois de 40 anos no
ministério descobrimos de fato que essa era a nossa vocação. Estou triste por
ser invisível.
- Como assim?
- Ninguém me vê! O irmão sabe que
não consigo deixar de ajudar, socorrer, encaminhar.
- Sei sim, pastor. O
irmão tem mais coração do que cérebro (e não estou criticando). Quem não sabe
que há aí no irmão um ombro amigo e um ajudador que não mede esforços?
-
Pois é, Pr. Wagner. Fiz disso a minha filosofia de vida. Ajudo outros colegas a
encontrar um novo ministério, tento auxiliar casais em crise, procuro conectar
as pessoas.
- E como o seu trabalho é precioso, Pr. Assis! O que seria de
nós sem o seu empurrãozinho!
- Obrigado, Pr. Wagner. Mas acho que é só o
irmão que pensa assim.
- Por que?
- Vou contar-lhe um caso. O
irmão sabe que com muita dificuldade pastoreio a igreja da Pedreira Colibri.
Começamos esse trabalho e com a graça de Deus ele existe e segue
avante.
- E como sei! Quando ninguém acreditou no projeto o senhor foi
avante, investiu tudo o que tinha e hoje há uma igreja muito boa ali.
-
Sim, muito boa e pequenina. Não reclamo, ela é uma bênção. Mas parece que eu não
sirvo pra mais nada, sabe?
- Por que? Conte-me.
- Pois o irmão não
imagina que situação constrangedora. A Igreja de Vila Quitéria ficou sem pastor
no último mês. Uma família influente convidou-me para tomar café. Lá fui eu. Ao
chegar me disseram: "pastor, precisamos de um nome para indicar à igreja. Um bom
pastor que ainda seja conservador, que possa pastorear-nos. Não conseguimos
pensar em ninguém. O irmão tem alguma sugestão?
- E o irmão?
- Eu
disse: sim. Indiquei um colega. Mas lá no fundo pensei: eles estão olhando para
mim e não me vêem! Será que sou tão ruim assim?
- Não, pastor, não pense
assim. Eles talvez não imaginassem que o irmão estivesse disponível.
- Eu
sei, Pr. Wagner, mas a questão é: em um ano auxiliei mais de 12 igrejas e
pastores a encontrar um novo ministério; por que eu nunca sou lembrado? Sou tão
medíocre ou ruim assim? Eu nunca sou um nome cogitável?
- E o pastor
recomendado, aceitou?
- Sim, e nem muito obrigado falou!
-
Ai...
- É a vida. Já estou acostumado com esse tipo de gratidão. Antes me
procuram, demonstram afeto, amizade. Depois que tudo se acerta riscam-me da
agenda e eu volto à inexistência.
- Não fique triste, pastor. Deus está
vendo.
- Eu sei. Contarei outra. Um casal precisava de grande socorro.
Faltava uma frase apenas para que o divórcio se completasse. Eu era a última
opção. Lá fui eu. Vi a crise, vi que não seria nada fácil. Mas fiz o que pude e
o casal reconciliou-se.
- Glória a Deus, pastor! Eles estão bem?
-
Sim, tão bem que resolveram realizar um culto de reconciliação.
- E o
irmão foi?
- Quem disse que fui convidado?
- ...
- Outro
dia pediram-me para auxiliar na solução de uma injustiça na associação. Um
colega mal intencionado não deixava o poder. Estava levando a instituição ao
abismo. Pediram-me para somar com eles na solução do problema. Fiz o meu papel,
cooperei, protestei, votei. Conseguimos solucionar. E na hora das indicações eu
sequer fui lembrado para a oração silenciosa.
- Típico, pastor. Muito
comum nessas esferas políticas.
- Não era política, meu irmão, era
associação de igrejas!
- Ah, puxa, pastor, sinto muito!
- Estou
cansado, Pr. Wagner. Não reclamo da vida, não reclamo da igreja e nem dos poucos
irmãos que congregam ali. Reclamo é da ingratidão, de não ser ninguém além de um
serviçal. Ajudo a tantos e nem sou lembrado!
- Bem, pastor, acredito que
o que o senhor sente eu e tantos outros sentimos muitas vezes, mas em proporção
muito menor do que a sua. O irmão é inigualável em sua doação pelo próximo. Mas
há três textos que me ajudam muito nessas horas de dor interior.
- E
quais são, Pr. Wagner? Diga-os, pois estou precisando de um azeite fresco para
uma alma ressequida.
- O primeiro é este: Porventura pode uma mulher
esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do
seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei
de ti. (Is 49:15). Por vezes nos sentimos esquecidos como um órfão. A própria
mãe o abandona. No nosso caso somos simplesmente invisíveis: abandonam-nos na
prática: convidam-nos para as crises e esquecem de nós nos festejos. Precisam de
nossa indicação nas oportunidades e não precisam de nós para os serviços e as
funções. Buscam-nos quando querem algo, ignoram-nos quando já conseguiram.
Infelizmente é assim. Contudo, Deus promete que não se esquecerá de nós. E Ele é
fiel e justo. Não deixará de lembrar-se do que fizemos.
- Ah, Pr. Wagner,
como é bom ter um Deus tão bom e amoroso como o nosso!
- O segundo texto
que muito me conforta é este: Porque Deus não é injusto para se esquecer da
vossa obra, e do trabalho do amor que para com o seu nome mostrastes, enquanto
servistes aos santos; e ainda servis. (Hb 6:10). Eu sei, Pr. Assis, que as
pessoas só se lembram de nós quando precisam de ajuda. Somos a última
alternativa. Precisam de nossa mediação, de nossa palavra, de nossa oração, de
nossa intervenção. E nos procuram. Só que pensam com o ventre: só se lembram da
comida quando há fome. Saciada esta, então descartam-nos como a uma manjedoura
desnecessária. E se esquecem que existimos. Aliás, isso quando só se esquecem,
porque às vezes ainda nos causam dores e ingratidões...
- É verdade,
colega! Um casal a quem auxiliei na restauração do casamento abandonou a igreja
dois meses depois, alegando que éramos muito pobres para o seu nível intelectual
e financeiro...
- Pois é, Pr. Assis, as pessoas são assim, injustas e
ingratas. Por isso o Senhor não se fiava a elas, mesmo que o quisessem coroar
rei delas. Lembra-se? Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos
conhecia; (Jo 2:24). Lembra-se dos 10 leprosos curados pelo Senhor? E,
respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove? (Lc
17:17). Só um voltou. Em nosso caso, muitas vezes, nem um retorna. Mas isso não
invalida essa maravilhosa verdade: Deus sabe. Deus conhece. Deus vê. Deus anota
e ao final receberemos a nossa recompensa.
- Obrigado, Pr. Wagner, pelo
consolo tão necessário! Parece que a decepção nos faz esquecer dessa verdade tão
presente! Temos um Deus que não se esquece de nós!
- Sim, Pr. Assis, mas
há um último texto, que quero compartilhar com o senhor: Considerai, pois,
aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que
não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos. (Hb 12:3). Ah, Pr. Assis, não
desanime! Ainda não terminou o seu trabalho! Por maior que seja a ingratidão
sofrida, por mais que as pessoas não lhe vejam (precisam de pastores mas não lhe
enxergam como uma opção), não desista! Saiba que o Senhor não lhe deixará nem
desamparado e nem esquecido. Ele se lembra diuturnamente do irmão!
- Pr.
Wagner, o irmão é tão mais novo do que eu e está sendo como um conselheiro para
mim!
- Não, pastor, eu apenas estou pensando alto com o meu amigo,
buscando de alguma forma despertar nele a força que precisa para não desistir de
ser a pessoa maravilhosa que é, o pastor amigo, amado, cordial, ajudador,
piedoso e presente. O que seria de nós se o senhor desistisse, pastor? Saber que
teremos o senhor para desabafar, para nos ajudar, nos socorrer, nos estender a
mão, torna o ministério muito mais fácil. É maravilhoso saber que o irmão é um
homem segundo o coração de Deus! Por favor não desista!
- Obrigado, Pr.
Wagner, pelo carinho e pelas boas palavras! Vou considerá-las. Quer almoçar
comigo? Dona Maria está preparando uma bela canja para esse dia frio! Que
tal?
Paguei a conta e segui com o Pr. Assis, para a Pedreira. Depois fui
para a igreja seguir com meu ministério e senti-me feliz e realizado por ter
ajudado o Pr. Assis a não desistir de ser quem era, um homem raro, um pastor de
verdade!
E o seu senhor lhe disse: Bem está, servo bom e fiel. Sobre o
pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. (Mt
25:21)
Que outros Assis, que me lêem, não desistam
também.
(ficção)
Wagner Antonio de Araújo
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