quarta-feira, 11 de setembro de 2013

memórias literárias - 109 - PASTORES TAMBÉM CHORAM


109 - PASTORES TAMBÉM
CHORAM


Encontrei-o tristonho, pensativo. Vi que havia um lenço sobre a mesa. Ele chorara.

Um pastor muito meigo, ajudador, um bom amigo. Carregava a sua tradicional sacola com folhetos e livros. Lia muito e também visitava. Mas hoje estava triste.

"Olá, Pastor Assis. O que há? Estava chorando?" Ele tentou recompor-se para cumprimentar-me, explicando-se: "É o frio paulistano, ninguém esperava tanta friagem, não é mesmo? Estou com um pouco de coriza". Claro que era uma desculpa. Sentei-me e pedi o nosso tradicional café com leite. Para acompanhar, uma gostosa coxinha. Aquela padaria da zona leste é muito boa.

- Ah, Pr. Wagner, às vezes o coração se entristece!

- Eu sei, Pr. Assis. Como sei! Mas o que é que acontece hoje? Por que está tão reflexivo?

- Talvez me sentindo esquecido, colega. E perguntando para mim mesmo se o que faço tem valido à pena.

- Pastorear?

- Não! De forma alguma! Depois de 40 anos no ministério descobrimos de fato que essa era a nossa vocação. Estou triste por ser invisível.

- Como assim?

 - Ninguém me vê! O irmão sabe que não consigo deixar de ajudar, socorrer, encaminhar.

- Sei sim, pastor. O irmão tem mais coração do que cérebro (e não estou criticando). Quem não sabe que há aí no irmão um ombro amigo e um ajudador que não mede esforços?

- Pois é, Pr. Wagner. Fiz disso a minha filosofia de vida. Ajudo outros colegas a encontrar um novo ministério, tento auxiliar casais em crise, procuro conectar as pessoas.

- E como o seu trabalho é precioso, Pr. Assis! O que seria de nós sem o seu empurrãozinho!

- Obrigado, Pr. Wagner. Mas acho que é só o irmão que pensa assim.

- Por que?

- Vou contar-lhe um caso. O irmão sabe que com muita dificuldade pastoreio a igreja da Pedreira Colibri. Começamos esse trabalho e com a graça de Deus ele existe e segue avante.

- E como sei! Quando ninguém acreditou no projeto o senhor foi avante, investiu tudo o que tinha e hoje há uma igreja muito boa ali.

- Sim, muito boa e pequenina. Não reclamo, ela é uma bênção. Mas parece que eu não sirvo pra mais nada, sabe?

- Por que? Conte-me.

- Pois o irmão não imagina que situação constrangedora. A Igreja de Vila Quitéria ficou sem pastor no último mês. Uma família influente convidou-me para tomar café. Lá fui eu. Ao chegar me disseram: "pastor, precisamos de um nome para indicar à igreja. Um bom pastor que ainda seja conservador, que possa pastorear-nos. Não conseguimos pensar em ninguém. O irmão tem alguma sugestão?

- E o irmão?

- Eu disse: sim. Indiquei um colega. Mas lá no fundo pensei: eles estão olhando para mim e não me vêem! Será que sou tão ruim assim?

- Não, pastor, não pense assim. Eles talvez não imaginassem que o irmão estivesse disponível.

- Eu sei, Pr. Wagner, mas a questão é: em um ano auxiliei mais de 12 igrejas e pastores a encontrar um novo ministério; por que eu nunca sou lembrado? Sou tão medíocre ou ruim assim? Eu nunca sou um nome cogitável?

- E o pastor recomendado, aceitou?

- Sim, e nem muito obrigado falou!

- Ai...

- É a vida. Já estou acostumado com esse tipo de gratidão. Antes me procuram, demonstram afeto, amizade. Depois que tudo se acerta riscam-me da agenda e eu volto à inexistência.

- Não fique triste, pastor. Deus está vendo.

- Eu sei. Contarei outra. Um casal precisava de grande socorro. Faltava uma frase apenas para que o divórcio se completasse. Eu era a última opção. Lá fui eu. Vi a crise, vi que não seria nada fácil. Mas fiz o que pude e o casal reconciliou-se.

- Glória a Deus, pastor! Eles estão bem?

- Sim, tão bem que resolveram realizar um culto de reconciliação.

- E o irmão foi?

- Quem disse que fui convidado?

- ...

- Outro dia pediram-me para auxiliar na solução de uma injustiça na associação. Um colega mal intencionado não deixava o poder. Estava levando a instituição ao abismo. Pediram-me para somar com eles na solução do problema. Fiz o meu papel, cooperei, protestei, votei. Conseguimos solucionar. E na hora das indicações eu sequer fui lembrado para a oração silenciosa.

- Típico, pastor. Muito comum nessas esferas políticas.

- Não era política, meu irmão, era associação de igrejas!

- Ah, puxa, pastor, sinto muito!

- Estou cansado, Pr. Wagner. Não reclamo da vida, não reclamo da igreja e nem dos poucos irmãos que congregam ali. Reclamo é da ingratidão, de não ser ninguém além de um serviçal. Ajudo a tantos e nem sou lembrado!

- Bem, pastor, acredito que o que o senhor sente eu e tantos outros sentimos muitas vezes, mas em proporção muito menor do que a sua. O irmão é inigualável em sua doação pelo próximo. Mas há três textos que me ajudam muito nessas horas de dor interior.

- E quais são, Pr. Wagner? Diga-os, pois estou precisando de um azeite fresco para uma alma ressequida.

- O primeiro é este: Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti. (Is 49:15). Por vezes nos sentimos esquecidos como um órfão. A própria mãe o abandona. No nosso caso somos simplesmente invisíveis: abandonam-nos na prática: convidam-nos para as crises e esquecem de nós nos festejos. Precisam de nossa indicação nas oportunidades e não precisam de nós para os serviços e as funções. Buscam-nos quando querem algo, ignoram-nos quando já conseguiram. Infelizmente é assim. Contudo, Deus promete que não se esquecerá de nós. E Ele é fiel e justo. Não deixará de lembrar-se do que fizemos.

- Ah, Pr. Wagner, como é bom ter um Deus tão bom e amoroso como o nosso!

- O segundo texto que muito me conforta é este: Porque Deus não é injusto para se esquecer da vossa obra, e do trabalho do amor que para com o seu nome mostrastes, enquanto servistes aos santos; e ainda servis. (Hb 6:10). Eu sei, Pr. Assis, que as pessoas só se lembram de nós quando precisam de ajuda. Somos a última alternativa. Precisam de nossa mediação, de nossa palavra, de nossa oração, de nossa intervenção. E nos procuram. Só que pensam com o ventre: só se lembram da comida quando há fome. Saciada esta, então descartam-nos como a uma manjedoura desnecessária. E se esquecem que existimos. Aliás, isso quando só se esquecem, porque às vezes ainda nos causam dores e ingratidões...

- É verdade, colega! Um casal a quem auxiliei na restauração do casamento abandonou a igreja dois meses depois, alegando que éramos muito pobres para o seu nível intelectual e financeiro...

- Pois é, Pr. Assis, as pessoas são assim, injustas e ingratas. Por isso o Senhor não se fiava a elas, mesmo que o quisessem coroar rei delas. Lembra-se? Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia; (Jo 2:24). Lembra-se dos 10 leprosos curados pelo Senhor? E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove? (Lc 17:17). Só um voltou. Em nosso caso, muitas vezes, nem um retorna. Mas isso não invalida essa maravilhosa verdade: Deus sabe. Deus conhece. Deus vê. Deus anota e ao final receberemos a nossa recompensa.

- Obrigado, Pr. Wagner, pelo consolo tão necessário! Parece que a decepção nos faz esquecer dessa verdade tão presente! Temos um Deus que não se esquece de nós!

- Sim, Pr. Assis, mas há um último texto, que quero compartilhar com o senhor: Considerai, pois, aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos. (Hb 12:3). Ah, Pr. Assis, não desanime! Ainda não terminou o seu trabalho! Por maior que seja a ingratidão sofrida, por mais que as pessoas não lhe vejam (precisam de pastores mas não lhe enxergam como uma opção), não desista! Saiba que o Senhor não lhe deixará nem desamparado e nem esquecido. Ele se lembra diuturnamente do irmão!

- Pr. Wagner, o irmão é tão mais novo do que eu e está sendo como um conselheiro para mim!

- Não, pastor, eu apenas estou pensando alto com o meu amigo, buscando de alguma forma despertar nele a força que precisa para não desistir de ser a pessoa maravilhosa que é, o pastor amigo, amado, cordial, ajudador, piedoso e presente. O que seria de nós se o senhor desistisse, pastor? Saber que teremos o senhor para desabafar, para nos ajudar, nos socorrer, nos estender a mão, torna o ministério muito mais fácil. É maravilhoso saber que o irmão é um homem segundo o coração de Deus! Por favor não desista!

- Obrigado, Pr. Wagner, pelo carinho e pelas boas palavras! Vou considerá-las. Quer almoçar comigo? Dona Maria está preparando uma bela canja para esse dia frio! Que tal?

Paguei a conta e segui com o Pr. Assis, para a Pedreira. Depois fui para a igreja seguir com meu ministério e senti-me feliz e realizado por ter ajudado o Pr. Assis a não desistir de ser quem era, um homem raro, um pastor de verdade!

E o seu senhor lhe disse: Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. (Mt 25:21)

Que outros Assis, que me lêem, não desistam também.

(ficção)


Wagner Antonio de Araújo

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