quarta-feira, 8 de novembro de 2017

memórias literárias - 550 - JOSÉ E SUA BUSCA

JOSÉ E

SUA BUSCA


550
José era um homem triste. Carregava em seu coração um imenso vazio. Ele queria preenchê-lo. Ouviu dizer que o evangelho de Cristo tinha a solução para o seu problema e que deveria ir ouvi-lo e aprendê-lo. Assim, procurou a avenida das igrejas e foi procurar um local para saciar a sua fome interior.

Achou uma igreja. Entrou. Para surpresa sua, em lugar dos bancos para sentar, encontrou um vazio e no centro um tatame: era um ringue, onde dois lutadores de MMA se batiam, se sangravam, se agrediam. Um juiz tentava apartar os golpes mais tensos. Os presentes dividiam-se entre os que torciam por um e os que  torciam pelo outro. José, com grande frustração, pensou: "Aqui não encontrarei o evangelho." E saiu.

Andou mais um pouco e achou outra igreja. Entrou e, novamente, frustrou-se. Também não havia bancos; apenas aparelhos de ginástica, gente a fazer musculação, máquinas de pesos diversos, bicicletas ergométricas e treinadores com camisetas regata e toalhas ao redor do pescoço. Muitas senhoras, moças, rapazes e idosos se exercitavam. Jose falou baixinho: "Por que colocaram na placa IGREJA? Poderiam escrever ACADEMIA e seria mais apropriado!" E saiu cabisbaixo daquele local.

Achou outro. Entrou. Encontrou bastante gente, mas, ao invés de estarem sentadas, encontrou-as de pé, ao redor de bancos com madeiras por cima, improvisando balcões. Era um bazar da pechincha. Muita roupa de doação, muitos brinquedos usados, muitos pares de sapato quase novos. Vários membros a vender objetos, vários compradores regateavam o preço. Era uma feira. José gemeu no coração e disse: "Quando vou encontrar o evangelho do qual me falaram?" E saiu de novo.

Entrou em outra igreja. Desta vez havia gente sentada e um homem a pregar no microfone. Estava de bermuda, camiseta e tenis de marca. Ele falava bem. Mas, ao ouvi-lo, José indagou-se: "isso é o evangelho?" O homem falava de problemas conjugais; contava piadas sobre vida sexual. Ele levava o povo às gargalhadas. Ensinava truques para enganar a esposa. Falava de como divertir-se com as crianças. José, entristecido, retirou-se mais uma vez. Não era isso que a sua alma procurava.

Achou uma bem grande, muita gente. Pensou: "Agora vou ouvir sobre o tal evangelho!". E três pastores, bem vestidos, sacodiam o corpo e berravam no microfone. As pessoas caíam, estrebuchavam, rodopiavam. A reunião parecia um encontro de loucos. Gente chorando, outros gritando. José saiu correndo. Ele falava: "Quero uma igreja, não um manicômio!"

Viu uma outra. A porta estava aberta. Entrou. O salão estava dividido em quatro partes. Em uma as crianças modelavam massinha e argila; no outro canto adolescentes pintavam com guache. Nas outras duas metades havia atividades para adultos: os homens tinham uma palestra sobre pescaria e as mulheres um curso de encontrar a melhor maquiagem para o dia a dia. José chorou de raiva. "Que desgraça é essa, que não encontro alguém que me fale do evangelho?"

A avenida estava por acabar e havia um salãozinho pequeno. Entrou. O povo estava discutindo em que partido votariam nas próximas eleições. Houve até uma briga entre pessoas de opiniões divergentes, apartada pelo pastor da igreja. José não ficou ali.

Saiu do salão e seguiu o seu caminho, frustrado e infeliz, com o vazio da alma maior ainda. Pois, se no começo da avenida ele pensou que alguém lhe pregaria o evangelho do qual ouvira falar ser bom, agora tinha certeza de que não encontraria mais nenhuma igreja que lhe fornecesse essa informação.

José não voltou mais naquela avenida. Não sabemos por onde anda.

--------------

E irão errantes de um mar até outro mar, e do norte até ao oriente; correrão por toda a parte, buscando a palavra do Senhor, mas não a acharão. (Am 8:12)


Wagner Antonio de Araújo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

memórias literárias - 1477 - CHORA, Ó RAQUEL...

  CHORA, Ó RAQUEL...   1477   Quando o Senhor Jesus Cristo fez-Se homem, nascendo do ventre de Maria, Herodes o Grande desejou matá-Lo...