segunda-feira, 20 de novembro de 2017

memórias literárias - 560 - ESTOU TÃO OCUPADO... REFLEXÃO

ESTOU
TÃO OCUPADO...
REFLEXÃO

560
 
 
- Olá, irmão! Estou ligando para saber como está. Há tanto tempo não temos contato!
 
- Pois é, irmão. Ando muito ocupado, muitas coisas pra fazer, corro o tempo todo, são tantas coisas. Eu até pensei em te ligar, falei até para a minha esposa. Nós até combinamos de visitar-te, mas que bom que ligou primeiro...
 
Isso é tão comum! As pessoas hoje enviam toneladas de whatsapp infrutíferos, impróprios, desinteressantes e absolutamente sem valor (figurinhas, vídeos de bobagens, frases feitas, cenas de auto-ajuda ou de pregações fatiadas e fora de contexto, correntes de "ajudem ao menino que mora no Jequitinhonha" etc). Elas pensam que todo mundo está numa janelinha, atento a cada clique que dão na rede social, no facebook ou na mídia disponível. Elas mesmas, entretanto, não estão. Enviei um "fulano, como você está?" Aguardo há três meses alguma resposta. E ele continua enchendo o meu whatsapp...
 
Outro dia o meu amado irmão José Guedes, locutor que fez vinhetas na Rádio Naftalina Web, a quem eu enviava as minhas mensagens diariamente, mandou-me uma foto. Ele estava pálido, numa maca. Liguei-lhe imediatamente. Falou-me que aguardava uma cirurgia. Liguei-lhe várias vezes na semana. Ele continuava a esperar. Então no sábado deixei de ligar. No início da semana perguntei-lhe como estava. Fui atendido por sua esposa, que mandou-me um áudio. "Infelizmente ele faleceu..." Fiquei desolado. Como pude deixar de ligar-lhe naquele sábado? Agora, ao enviar alguma coisa, vejo o seu número e penso: "Para ele só no céu, no porvir. Saudades".
 
E disse eu aos nobres, aos magistrados e ao restante do povo: Grande e extensa é a obra, e nós estamos apartados do muro, longe uns dos outros. (Ne 4:19)
 
Tão perto estamos com os aplicativos, tão distantes dos corações! O final do ano está chegando. Que tal nos perguntarmos: para quantos "contatos" nós realmente ligamos? Por quem realmente oramos? Por quais nomes realmente estivemos interessados em saber notícias? Muitas vezes nós queremos muitos contatos não porque nos interessamos por eles, mas para que eles vejam aquilo que nós postamos! Queremos muitos cliques em nossos vídeos para que eles nos façam subir de patamar no IBOPE de mídia. Uma multidão de gente, mas sem ninguém em especial. Que vergonha!
 
As igrejas andam assim também. Cresce a cada dia o número de mega-igrejas, comunidades com mais de duas mil pessoas, que, na maioria dos casos, não se conhecem, não têm interesse por ninguém, querem se beneficiar da fama do pregador e da igreja, além das condições oferecidas (área infantil, de música, de som, de estacionamento, de ar condicionado). Estas, para tentar driblar a frieza provocada por multidões, viram-se do avesso, criando os "pequenos grupos". E a fórmula fica assim: trabalhamos por um crescimento acima do que podemos suportar, para que, ao estourar o limite, fatiemos em pequenos grupos e finjamos que nos importamos com todos. Quem é pequeno quer crescer, e quem cresceu não aguenta o custo humano.  Formar novas igrejas de bairro? Nem pensar! Precisamos crescer 15% este ano!
 
Quanta saudade das igrejas de bairro, que serviam de forma restrita! No tempo em que poucos tinham carro e que a condução não era fácil, as famílias procuravam a igreja de sua denominação no bairro, e, caso não houvesse, cediam as dependências da casa para o início de um ponto de pregação. Ali as pessoas cresciam, conviviam, formavam os corais, as uniões de mocidade, os grupos de evangelização. Ali elas se casavam, criavam os filhos, formavam outra geração. Hoje, com a facilidade da condução e a mídia avassaladora das mega-igrejas, os filhos e netos são ceifados das igrejas de bairro. As grandes igrejas funcionam como um sugador: fazem publicidade maciça, oferecem doces e sorvetes (congressos, retiros, luais, bailes, encontros, namoros). Os filhos e netos, liberais, deixam as suas igrejas locais e vão ser mais um grão de areia na multidão das gigantes. Eles tocavam em suas igrejas; agora nem na escala são colocados. Eles lecionavam; hoje não o fazem, a não ser em algum encontro caseiro casual. Eles serviam no som, no serviço, na evangelização; hoje têm que pagar taxas para ter uma vaga de suplente em algum departamento da igreja grande. A igreja do bairro? Ficou para trás.
 
E a vida que vivem? Vida solitária. Solidão na multidão. Um gemido sofrido por muitos que, pela manhã, procuram um whatsapp, um e-mail ou uma frase no facebook que seja PESSOAL, não um bom-dia coletivo ou algo falado em grupos de convívio de quinhentas pessoas. Esperança frustrada, caro leitor: estamos a cada dia mais separados uns dos outros, apesar de entupidos de coisas enviadas ou que nos enviaram.
 
Sem essa de "estou ocupado". Não está não!
 
É como ir ao culto da semana. Não sendo por causa de escola, as famílias ficam enfornadas em casa, assistindo ao lixo televisivo ou às porcarias da internet. A desculpa é sempre a mesma: "Estava muito ocupado, cheguei tarde, tinha tarefas.." Mas basta alguém da casa receber um diagóstico de câncer, basta uma notícia ruim que chega de longe, uma ameaça de despejo da casa ou a sombra de um divórcio no casamento; o tempo para ir à igreja aparece bem rapidamente. Aparece todo mundo da família, até em dias em que não há culto! Quer dizer, a ambição leva à igreja. Queremos bênçãos. Não queremos reparti-las. Que mundo triste este!
 
Importemo-nos com as pessoas. Transformemos contatos em amizades, nomes em realidades. Vamos dizer com franqueza: podemos ser mais amigos, mais presentes, mais interessados, mais ativos, ter mais iniciativas. Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando, vos deitarão no vosso regaço; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo. (Lc 6:38)
 
Acho que vou parar por aqui. Lembrei-me de um irmão com quem não falo há muito tempo. Quem sabe o encontrarei em casa.
 
Tchau.
 

Wagner Antonio de Araújo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

memórias literárias - 1477 - CHORA, Ó RAQUEL...

  CHORA, Ó RAQUEL...   1477   Quando o Senhor Jesus Cristo fez-Se homem, nascendo do ventre de Maria, Herodes o Grande desejou matá-Lo...