ÂNCORAS DA
SAUDADE...
Elzira Bonfante, minha
mãe
1930-2005
Quando mamãe morreu, em
dezembro de 2005, qualquer coisa que a lembrasse, por mais ínfima que fosse, era
uma espécie de âncora, um portal, alguma coisa onde eu me escorava e que me
fazia reencontrá-la. A sensação chegava a ser doentia: olhava para o hospital
como se houvesse alguma esperança de reencontrá-la. Pegava em seus objetos de
uso pessoal como se eles ainda me ligassem a quem partiu. Enquanto temos coisas
da pessoa amada é como se criássemos a ilusão e a sensação de que ela ainda está
conosco. Na verdade, se pudesse, reescreveria a história e apagaria o seu
falecimento, dando sequência à sua vida. Por mais que a minha razão dissesse o
contrário, a minha emoção quis muitas vezes fazer isso. Uma mecha de cabelos, um
vestido, um papel de pão com suas letras rabiscadas, um vidro antigo de perfume,
uma almofada de seu uso pessoal; cada objeto transformara-se em algo tão valioso
que não o trocaria por nada!
Mas não há objeto, não
há local ou condição que faça a outra pessoa continuar a existir aqui e do jeito
que estava. Ela se foi, ela não ficou mais entre nós, quer quisesse ou não. A
morte é uma dor insuportável e uma realidade incontestável, quando não contamos
com a ajuda do Consolador Fiel e do tempo. O Espírito Santo nos consola,
apontando-nos a nova morada com o Senhor, e o tempo ajuda a diluir a enorme
mancha de saudade que formou-se no vazio deixado. Com o tempo compreendemos que
uma biografia se fechou e uma página da história se abriu. E com o Consolador
aprendemos que a vida não se resume a esta existência, mas sim ao Porvir
glorioso nas moradas do Pai Celestial.
Aprender a conviver com
a perda de minha mãe tem sido um desafio diário. Não houve dia nestes anos todos
que ela não se fizesse presente na mente, apontando para a sua existência
laureada de bons exemplos e de carisma. Não houve dia em que não sentisse a sua
ausência tão prolongada. Parece que o tempo passou a ser contado a.m. e d.m
(antes de morrer e depois de morrer). Não há felicidade completa, família toda
reunida, vitórias completamente celebradas ou realizações completamente
satisfeitas com a ausência definitiva e decisiva de mamãe. Porém, assim como a
Ceia do Senhor serve para "anunciar a morte do Senhor ATÉ QUE ELE VENHA", a
nossa sensação de ausência serve para mostrar que um dia a morte será vencida e
que "ESTAREMOS TODOS JUNTOS NOVAMENTE" no Senhor. Não fomos criados para
ficarmos separados, mas unidos, e essa união em Cristo há de concretizar-se no
tempo de Deus.
Cabe a nós manter a
estrela de quem amamos brilhante em nossa memória, mas não tão brilhante que
ofusque a abóbada celeste, impedindo-nos de ver tudo o que nos restou, as
concessões que ganhamos e as novas estrelas que passaram a brilhar no céu. Eu,
particularmente, ganhei do Senhor uma esposa de valor incalculável, digna,
santa, amorosa, fiel, dedicada e absolutamente consagrada a Deus. Quisera que
mamãe a tivesse conhecido! Porém, sem sombra de dúvida, Elaine é também resposta
às orações de minha mãe, cujos balbucios matinais apresentavam ao Senhor o meu
futuro, e sempre suplicava para que eu não ficasse sozinho e não fosse infeliz.
Deus a atendeu! Aleluia!
Talvez o meu leitor
conviva com a ausência de alguém que lhe foi muito amado e querido. Um filho,
uma esposa, um avô, um amigo, um professor, um pastor. Talvez a dor da ausência
seja dramática, desestimulando a própria continuidade da vida. Quero instar com
você para que atente na fidelidade do Senhor: Ele não nos deixará nem órfãos,
nem sozinhos, nem ausentes, nem distantes daqueles a quem amamos. Ele foi nos
preparar uma morada, Ele voltará para nos levar, Ele nos ressuscitará pelo Seu
poder e Ele sabe nos consolar. Que possamos transformar as nossas chagas
doloridas de saudades em lindas rosas que exalam o perfume da nostalgia, que
perpetuam os momentos dóceis e abençoados que vivemos ao lado de quem
amamos.
O nosso Mestre Jesus é
o Senhor da Ressurreição. Ele há de ressuscitar os que levou consigo. Ele nos
consola.
Wagner Antonio de
Araújo
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