terça-feira, 15 de agosto de 2017

memórias literárias - 509 - PASTOR SEM MINISTÉRIO

PASTOR SEM
MINISTÉRIO

509

José era pastor. Vestia-se com roupas sociais. Usava linguagem culta. Tinha porte acolhedor. Falava de Cristo. Mantinha-se em oração. Um dia deixou o pastorado por motivos de desentendimento local. Não foi convidado para outra igreja. Procurou uma colocação profissional. E deixou a roupa que usava no guarda-roupa. A linguagem que usava foi trocada pela fala comum de quem não precisa mais guardar-se por respeito. O acolhimento que demonstrava acabou; agora foi cuidar da própria vida. A oração deixou as madrugadas, os momentos específicos e tomou o lugar daquelas coisas que só de vez em quando fazia.  Sua frequência à igreja, tão consagrada e contínua, passou a ser esporádica, quase nula, idêntica aos crentes frios a quem tanto exortava. Fui falar com ele. Suas justificativas eram severas: recebera injustiças, tornara-se perseguido, perdera chances profissionais na dedicação ao ministério e agora não conseguira nada para o futuro da família. Agora iria ser feliz.

Que tristeza! Há tantos Josés ex-pastores atualmente!

João era pastor. Já não pastoreava mais. A sua última igreja o dispensara, dizendo que ele não tinha mais condições de conduzir o rebanho. Ele, que vestia-se socialmente, usava linguagem culta, tinha porte acolhedor, falava de Cristo e mantinha-se em oração, continuou a fazer as mesmas coisas. Encontrou um serviço que o ajudava a pagar as contas. Mas no restante do tempo participava ativamente da igreja de seu bairro. A casa para onde se mudou tornou-se um centro de ajuda espiritual, pois muitos crentes iam até o seu escritório para orar e conversar. Ele distribuia folhetos, literaturas e pregava em cultos nos lares. Às vezes o pastor da igreja o convidava para pregar no púlpito. Ele nada recebia por isso. Mas era de  uma decência magistral! Não havia quem não dissesse que ele era pastor. Mesmo sem rebanho, João decidira ser pastor para a vida inteira. E ERA!!!

A diferença entre os dois, entre José sem ministério e João sem ministério era simples: José pastoreou por um tempo, mas João foi feito pastor para toda a vida. Um trabalhou na função, o outro encarnou o ministério. Um pregou, evangelizou, dirigiu, mas não resistiu à injustiça recebida. O outro não vivia em função do que os outros pensavam ou do que os outros lhe dessem; ele era pastor porque Deus o vocacionara. E acreditou que a imposição das mãos do presbitério para a sua consagração independeria de estar ou não na ativa à frente de uma igreja. Em qualquer lugar João seria pastor, estivesse ou não à frente de um rebanho. Por outro lado, em qualquer lugar que José pastoreasse seria um infeliz, pois o seu coração não estava na vocação pastoral.

Em minha vida eu já vi muitos bons pastores. Mas vi maus pastores em maior quantidade. Já vi pastores que se mantiveram pastores depois das igrejas. E já vi outros, muito mais numerosos, que me surpreenderam com as vidas relapsas que assumiram após o último pastorado. Enquanto pregavam exigiam que os crentes fossem fiéis. Quando não pregaram mais tornaram-se infiéis.  Sem púlpito deixaram os valores e consagraram-se como a encarnação dos comportamentos dantes condenados. E isso é muito triste. Todos são livres para agir como quiserem. Mas a incoerência dói na alma de quem contempla!

O Pr. Timofei Diacov deixou o ministério pastoral há muitos anos. O Pr. Zacarias Lima também. O Pr. José Vieira Rocha também. No entanto, independentemente de estarem ou não à frente de uma igreja, continuam brilhando por Jesus e totalmente identificados com a fé que pregaram por décadas. Eles não precisam de um ministério local à frente de uma igreja para serem pastores. Eles o são por natureza! Ministério para eles foi uma metamorfose na vida, não uma casca que se desgastou. Onde eles estiverem, caminhará com eles o ministério que os impregna. São pastores do tipo João!

Mas há outros tantos que conheço, sem ministério, que precisaram trabalhar fora, que se desfiguraram. Perderam o foco da fé. Perderam o referencial de servir a Deus por causa de Deus; hoje servem a Deus limitadamente ou nem o servem mais. Se eles fossem as suas próprias ovelhas ontem, inspirariam os seus próprios cuidados, sendo classificados como crentes carnais. Hoje vivem assim, sem nada de ministério e, quiça, sem quase nada de cristianismo. Suas páginas no facebook têm de tudo: política, entretenimento, esportes, viagens, piadas, família. Só não tem evangelho. Nada. Nem mensagem, nem palavra, nem bíblia, nem hino, nem igreja, nem compromisso. Nada. Passam despercebidos como crentes; quem dirá como pastores!

Hoje sou pastor local. Pode ser que um dia que a minha igreja me desconvide, ou que eu a deixe, e que não receba convite algum para pastorear. Terminarei o meu ministério? Deixarei de ser pastor? JAMAIS! Quando o Senhor chamou-me naquele hospital em 1982, onde eu me preparava para morrer, disse-lhe: "Se o Senhor não me levar agora, deixarei a carreira de engenheiro agrônomo, que tanto queria, para dedicar o resto de minha vida à pregação do evangelho". E isto faço. Com a força do Senhor quero fazer isso até partir.

Pastores que me lêem, sejam pastores na ativa ou sem igreja: Vocês não dependem dos homens, mas do chamado que receberam de Deus! A fidelidade aos ensinos bíblicos não deve subordinar-se à exigência laboral; ela é uma necessidade premente de nossas vidas até a morte, diante de Deus! Ainda que ninguém lhes veja como pastor, vocês devem trazer à memória o concílio que os consagrou, o dia da ordenação e, principalmente, o dia do seu chamado pelo Senhor. Não sejam mundanos, não se condenem hoje com práticas contra as quais pregaram! Não abandonem a fé!  Não sejam negligentes!   Por cujo motivo te lembro que despertes o dom de Deus que existe em ti pela imposição das minhas mãos. (2Tm 1:6). Não sejam como aqueles que abandonaram o Apóstolo Paulo: Porque Demas me desamparou, amando o presente século, e foi para Tessalônica, Crescente para Galácia, Tito para Dalmácia. (2Tm 4:10). Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes não seja imputado. (2Tm 4:16). Que sejamos dignos da promessa de Cristo: Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. (Ap 2:10)
Wagner Antonio de Araújo

15/08/2017

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