quinta-feira, 20 de julho de 2017

memórias literárias - 480 - TROCA INFELIZ

TROCA
INFELIZ


 
480
 
Aquela era uma boa igreja. Um auditório constante, boas programações, crentes relativamente fiéis. O pastor iniciara o seu ministério e o período de lua-de-mel caminhava bem. Durou três anos.
 
Com o tempo a festa deu lugar à rotina. E os cultos de oração foram minguando. Eram cem pessoas, em média. Caíram para cinquenta, trinta e, naqueles dias, oito ou dez crentes apareciam.
 
Cidade pequena, todos se conheciam, não havia uma justificativa plausível. O pastor passou a usar as redes sociais, os cultos, o celular e toda forma de convite, instando com todos para que viessem ao culto intersemanal, um culto precioso, com ênfase à oração.
 
As pessoas desculpavam-se. "Tenho faculdade". "Tenho que dar banho nas crianças". "Trago trabalho para casa, tenho que terminá-lo". Havia aqueles que eram mais sinceros: "não quero ir". "Perda de tempo". "O que eu ganho com isso?".
 
Alguns amigos de facebook daquela igreja escreviam aos membros sobre os artigos postados pelo pastor, um reconhecido homem de oração. Para surpresa deles, os membros não liam a literatura dele. "O profeta não tem honra na sua própria casa". E o pastor entristecera-se, pois para ele a frieza espiritual, conquanto explicada, não tinha justificativa. E o encontramos orando naquela noite, onde ele participou do culto sozinho (a zeladora não aparecera):
 
"Senhor, quando vim para esta igreja pensava manter reunido o povo ao redor de Tua mesa. E assim vivemos por um tempo, mas agora tudo é frio, tudo é difícil. As pessoas não oram, não buscam a Tua face. Elas estão tranquilas, sem aflições, sem consciência de que têm feito uma troca infeliz. Oh, Senhor, não permita que o Teu Nome seja desonrado neste lugar. Traze o Teu povo aos Teus pés, CUSTE O QUE CUSTAR, eu imploro! Em nome de Jesus. Amém".
 
Passaram-se três meses. Uma imobiliária da capital instalou-se à margem da avenida principal. Trouxeram uma banda de música, carro alegórico, um circo e muita propaganda sonora  e panfletagem. Marcaram um show e grande parte da igreja deixou o culto para assistir aos artistas de sucesso. Eles anunciaram um grande empreendimento. Uma gleba inteira, ao lado do último bairro da zona norte, fora liberada para loteamento (segundo eles). Esta imobiliária encampou-a e fez um projeto de "um lote para cada família". Era um milhar de lotes naquela montanha, com promessas de água, luz, telefone, esgoto, praça principal com padaria, farmácia, minimercado e linha de ônibus. E a grande vantagem: baratíssimo. A marquete do loteamento era linda, em três dimensões. Um vídeo fantástico mostrava a alegria dos moradores, a segurança, o lago central, as árvores, a pracinha, as crianças a sorrirem!
 
Aquilo cativou e fisgou a atenção e o bolso de muita gente. Foi um tumulto geral. Todos comentavam a oportunidade. "Vou tirar todo o meu dinheiro da poupança e comprar um lote para cada filho!"; "Enfim direi adeus ao aluguel!"; "Vou investir tudo o que tenho e vou fazer casas para a renda". E o povo inscrevia-se às dezenas. O dinheiro saía do banco e entrava na dita imobiliária. Cada venda disparava uma campainha e todos festejavam, lançando serpentinas e confetes, buzinando e apitando com alegria. Os novos proprietários saíam dali e iam à lanchonete do Pedro, em frente, festejar. Pedro nunca ganhara tanto dinheiro! Aliás, o que ganhou nesse período investiu em dois lotes.
 
Lá na igreja, porém, no culto de oração, os poucos irmãos oravam. Houve um sentimento generalizado, entre os que clamavam, de que aquilo era uma ilusão. E pediam ao Senhor para ter misericórdia. Várias famílias procuraram o pastor e pediram a sua opinião. O pastor, ao púlpito, disse: "Irmãos, tomem cuidado com promessas de quem nunca viveu aqui. As coisas não são baratas e fáceis assim; aguardem esclarecimentos das autoridades; não entrem em embrulhos dos quais se arrependerão amanhã." Um membro, espírito de porco, interrompeu a pregação no final, dizendo: "O senhor é que é bobo, pastor! Poderia com a poupança da igreja comprar uns 5 lotes e construir uma catedral no bairro novo! Se tivesse visão esta igreja prosperaria!" O pastor, incomodado com o desrespeito, respondeu: "A visão à qual o irmão me insulta, é uma visão de Deus ou do Diabo? O irmão já consultou a vontade do Senhor?" O homem saiu rindo porta afora, acompanhado do riso contido das famílias. Conselhos de pastor são como orientações de pais: no início acham que são conselhos retrógrados e errados, de gente velha e sem inteligência. No caso do pastor, um homem sem visão e decadente. No culto de oração, entretanto, ninguém comprou lote nenhum. Sentiam que algo não estava correto.
 
E numa noite, depois de instar mais uma vez para que os membros viessem ao culto, e sem nenhum resultado além do normal (os fiéis eram sempre constantes e os mesmos), o senhor trouxe um choro generalizado entre os intercessores. Sentiam que uma grande desgraça aconteceria. Oraram. pedindo misericórdia. Terminaram o culto aflitos. Foram para as suas casas.
 
Não tardou muito e escutaram um grande barulho: caminhões em movimento, marteladas, madeiras empilhadas e muito, muito vozerio. Pela manhã, ao passarem em frente à imobiliária, a surpresa: não havia mais nada! O barulho que ouviram fora dos caminhões de mudanças. Levaram o estande, levaram a casa pré-fabricada onde funcionava o escritório, levaram as propagandas, levaram tudo! Só sobrou o terreno (e ainda cheio de lixo!).
 
Houve um corre-corre pela cidade, gente desesperada à procura de informações. Ninguém sabia o que acontecera e para onde havia ido a empresa. Os telefones estavam mudos ou fora de área. Em uma semana chegou a notícia: não havia imobiliária alguma; tudo não passou de um golpe. Bandidos bem preparados formaram a ilusão e, através dela, venderam papéis sem qualquer valor. A prefeitura, desconfiada e não tendo informação nenhuma de liberação de gleba, mandou investigar. Alguém da justiça, corrupto,  alertou os criminosos e, antes que chegasse a força-tarefa de policiais para o confisco e a apreensão de tudo, fugiram, levando o dinheiro de quase toda a população.
 
Gritos de desespero. "Meu Deus, era tudo o que eu tinha!"; "E agora, onde vou morar? Vendi a minha casa e estou na rua!"; "Era a poupança da faculdade dos meus filhos; como estudarão?"; "Estou sem um tostão!". Diversos enfartados, transferidos para a capital. Gente que se atirou no córrego, outros que tentaram o suicídio na estrada movimentada. Perderam o patrimônio de anos, investiram tudo em absolutamente nada.
 
E os crentes, membros da igreja, chorando, foram buscar a Deus no culto de oração. Sim, os mesmos que não o frequentavam, que achavam perda de tempo, que julgaram ter coisas mais importantes para fazer. Agora foram apelar a Deus, para que lhes devolvesse o dinheiro de alguma forma. Os fiéis estavam tristes e surpresos, mas compreendiam que a dor desses irmãos era merecida.
 
O pastor, também triste,  mas absolutamente convicto, levantou-se na pregação e disse ao auditório de quase 200 pessoas:
 
"Uma quarta-feira diferente, está quase todo mundo aqui. Sejam bem-vindos! A vocês só tenho uma palavra: Deus lhes castigou. Pesados foram na balança e foram achados em falta. Os seus pecados lhes acharam. A fatura foi cobrada. Não culpem ao Senhor por isso, pois quem semeia na carne, da carne colhe a corrupção. Alguém insultou-me no culto, dizendo que a igreja não tinha visão. Agora eu lhe digo, irmão em Cristo: a sua visão era de quem, de um homem espiritual ou de um tolo? Onde está o seu dinheiro? Perdeu tudo, não é mesmo? Pois bem. Já o dinheiro da igreja está bem guardado, pois para quem coloca a Deus em primeiro lugar, o Espírito Santo lhe dá discernimento para não cair em armadilhas. Teria sido melhor procurarem o culto de oração de forma preventiva, buscando uma vida digna e vigilante antes de fazerem asneiras. Hoje buscam ao Senhor em desespero, de forma remediatória, clamando por uma solução. Não é o ideal. Mas se o fazem com sinceridade, sejam bem-vindos, e confessem os seus pecados a Deus. Assim disse Isaías, e assim digo para vocês: Vinde então, e arrazoemos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã. (Is 1:18)"
 
De fato o povo, cabisbaixo e em lágrimas, veio à frente, chorando e lamentando, pedindo a Deus perdão pela inversão de valores. Trocaram o eterno pelo material. Trocaram o culto pela trivialidade particular. Trocaram a sabedoria de Deus pela sabedoria humana. Não oraram para tomarem decisões; agora amargavam uma perda incomensurável, difícil, constrangedora.
 
Mas, aos poucos, com a graça de Deus, e com muitas custas advocatícias, conseguiram recuperar parte do prejuízo de tanta imprudência. Mas a maior recuperação que conseguiram foi na fé, pois entenderam à dura custa, de que quem troca a Deus pelo viver na carne faz uma troca infeliz e paga uma fatura cara pelo resto da vida. Aqueles crentes aprenderam a lição.
 
E você? Como vai a sua vida de oração? Há quanto tempo não frequenta um culto dedicado a esse fim? Tem deixado as coisas de Deus de lado e busca uma boa justificativa para apaziguar a consciência que o Espírito Santo constrange em você? Cuidado. O seu pecado lhe achará. Vigie. Ore. E volte ao primeiro amor.
 
Wagner Antonio de Araújo

20/07/2017

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