SAPATINHOS
DE
BEBÊ
1294
- E aí,
Carlos, como está?
- Em dúvida,
Tomé.
- Em dúvida?
De quê?
- Sabe,
eu preciso encaminhar os três alunos restantes para as áreas diversas que a
escola oferece, mas não sei como fazer isso! Eles são bons em
tudo!
- Que santo
problema, hein!? E o que pretende fazer?
- Não sei.
Estava querendo falar com o Prof. Philinto. Ele é tão experiente, tantas décadas
de estudo, quem sabe poderia me ajudar?
Lá foram os
dois professores no gabinete do veterano Prof. Philinto. Até no nome ele era
antigo. Homem renomado que já ajudara inúmeros alunos em suas carreiras
profissionais. E ali estava, num escritório literário, após a aposentadoria,
como consultor. Aposentado há 30 anos, não queria deixar a escola.
- Prof.
Philinto, podemos conversar?
- Claro,
claro! Entrem. Em que posso ser útil?
Os mestres
explicaram o problema. Philinto pegou uma caneta, fez alguns círculos, bateu com
o dedo na mesa por algumas vezes e disse:
- Os alunos
estão na classe?
- Sim, os
três.
Philinto foi
até o seu carro e pegou um par de sapatinhos que sua neta Maria havia deixado
lá. Tomou-o, levou-o à sala e se sentou na cadeira do mestre. Os alunos estavam
curiosos.
- Caros
estudantes, o mestre de vocês consultou-me sobre o que fazer no encaminhamento
para a graduação. Exatas, humanas ou biológicas? Vocês não sabem o que
optar?
- Não
sabemos! Foi a resposta unânime.
- Querem a
minha ajuda?
- Claro!
Queremos sim!
- Então,
peguem uma folha de sulfite e uma caneta agora. E tirem todo o resto de suas
mesas.
Eles fizeram
o que o mestre ordenara. O professor, olhando de forma profunda para os olhos
dos três, deixou-os até sem graça. De repente, tirou do seu paletó o par de
sapatinhos vermelhos e brancos, colocou-os sobre a mesa e
disse:
- VOCÊS TÊM
CINCO MINUTOS PARA FAZER UMA REDAÇÃO ACERCA DISTO QUE EU COLOQUEI SOBRE A MESA.
COMECEM!
Eles então
passaram a pensar, a morder a tampinha da caneta, a se balançar na cadeira, a
olhar para o teto, a buscar alguma coisa que dizer sobre os sapatinhos. O
relógio no corredor sinalizava o tempo: tic-tac-tic-tac. Já não havia viva alma
na escola, exceto os mestres e os 3 alunos. E o tempo passava. Tic-tac,
tic-tac.
-
TERMINOU. ENTREGUEM-ME AGORA!
Sob
protestos, pedindo um tempo maior, eles entregaram as
folhas.
Foram 3
redações. José fez a primeira. Ali estava escrito:
- Esses
sapatinhos de criança são bem confortáveis. A borracha deles é difícil de
gastar. A tinta que os recobre é muito resistente. Por não terem panos em sua
constituição eles não apodrecem. O material é reciclável e pode ser útil para
outras coisas, quando não servirem mais como calçados. Podem virar tiras de
borracha, podem escorar uma mesa torta, podem ser colados e virarem apoio para
panelas...
Júlio fez a
segunda redação. Ali se lia o seguinte:
- Sapatinhos
extremamente bonitos e confortáveis. Um par desses pisantes pode ser comprado
por até 30 reais. Os pais podem ter bom desconto se comprarem 3 pares com
números maiores, já imaginando os pés que crescerão. Se deixarem para comprar só
quando for preciso não poderão pleitear o desconto. Aliás, é um excelente
produto para revenda. Se alguém for até a fábrica e comprar uma dúzia de caixas
terá prazo e descontos e poderá vender de porta em porta, colocando até 100% de
lucro...
Elias
escreveu a terceira. Ali estava escrito assim:
- Esses
sapatinhos são o testemunho de uma criança amada e feliz. Quantas vezes eles
calçaram os pezinhos desta criança feliz. Quantos passeios com a família não
devem ter sido feitos, tendo os sapatinhos por testemunha! Também horas de dor
eles testemunharam, quando a acompanharam no posto de saúde ou no dentista. Eles
devem ter calçado os seus pezinhos na festinha da escola, no aniversário e nas
férias de praia. Quando chega a noite eles se separam da querida menininha, que
aprenderam a amar depois de tantas pisadas. E aguardam ansiosos o nascer do sol
para o reencontro feliz...
Os
professores estavam perplexos com o resultado. O Mestre Philinto, bastante
satisfeito, notificou a todos:
- Sr. José,
fique de pé!
José,
bastante ansioso, ficou. E então ouviu:
- O senhor é
um exímio industrial, um químico qualificado, um excelente gerente de produção.
Sua perspicácia operacional e sua avaliação dos produtos, utilidades e destinos
é fabulosa! Será muito promissor na área de química, produção industrial e
inventos. Meus parabéns!
José nem se
aguentava de tantos títulos que agora carregava na imaginação. Já pensava em
abrir as INDÚSTRIAS JOSÉ LTDA!
- Sr. Júlio:
fique de pé!
Júlio
obedeceu, levantando-se.
- O senhor
dará excelente contador, excelente vendedor, excelente empreendedor e excelente
administrador. Sua área é exatas, com qualificação também em humanas. Meus
parabéns!
Júlio se
sentiu como um profissional próspero diante de tantas palavras
boas.
- Agora peço
ao Sr. Elias para que fique de pé.
Elias,
vermelho como um pimentão, colocou-se de pé. Aflito, pensava que sua redação
fora um fiasco diante das demais. Já imaginava o vexame, a falta de criatividade
e o que se seguiria daí para frente. Mas, o professor não lhe deixou pensar
muito. Começou a falar.
- Senhor
Elias, o senhor é um homem especial. A sua vocação é literária. O senhor tem a
alma de um poeta, a mente de um dramaturgo, a caneta de um fino orador. O senhor
é capaz de enxergar o que os outros não enxergam e de sentir o que os outros não
saberiam descrever em palavras. O senhor será encaminhado para a área de
humanas. Será um excelente mestre, um excelente redator, escritor, autor de
textos e de filmes, um jornalista de análise apurada, um político altamente
qualificado, cujos auditórios lhe aplaudirão de pé. Meus parabéns, caro futuro
mestre!
Elias chorou.
E não poderia ser diferente, pois o professor leu a sua
alma.
Então, o
Mestre Philinto disse aos seus colegas:
- Caros
colegas, co-partícipes de nossa missão educativa: aí está o destino destas almas
preciosas. Se eles assim se encontram devem muito a vocês, cuja experiência e
ensino lhes serviu de base. Parabéns pelo trabalho
glorioso!
Os
professores, com os olhos lacrimejantes, agradeceram e disseram ao veterano
professor:
- São pessoas
como o senhor, Professor Philinto, que nos fazem acreditar no magistério ideal.
Foi a sua vida que nos inspirou há anos atrás para que nos tornássemos
professores também. Obrigado por seu legado!
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Escrevi este
texto para homenagear a cada professor que me lê, a cada pastor, mestre,
ensinador, contador de estórias e educador, cuja vida inspira e constrói. Meus
parabéns!
Wagner
Antonio de Araújo
(revisão de
Elaine Okada de Farias Araújo)
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