DA BAIXADA
PARA O
MIRANTE
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José morava
na baixada. Estava na beira de um rio fétido e cheio de animais nocivos. Sua
casa era constantemente invadida por cobras, ratos, escorpiões e morcegos. Parte
do tempo ele trabalhava, parte do tempo tentava livrar-se dos invasores. Era um
homem limpo, organizado, mantinha tudo organizado, mas era impróprio viver ali.
Alguns vizinhos faziam questão de gritar, xingar, exibir imoralidades, realizar
crimes e invocar demônios. Ele fechava as janelas, trancava as portas, mas não
tinha paz. Pensava: "o que farei, meu Deus?"
Um amigo lhe
disse: "Venha morar mais ao alto. Ali é calmo, é tranquilo, é seguro, é sereno.
Experimente!" José titubeava. Ele estava tão enraizado no local que era incapaz
de avaliar o quanto lhe faria bem mudar de ares. Ele pensava que só havia vida
ali embaixo. Ele ignorava o quanto era bom lá no mirante. Então sofria os
ataques dos animais predadores, das enchentes do rio, da fúria dos criminosos e
da violência moral da vizinhança. Sofria também com a relutância em decidir-se
por subir. Ele vacilava.
Um dia, sem
aguentar mais, disse: "Vou mudar-me". E então, diferentemente das outras vezes,
pegou as suas coisas e mudou-se. Construiu uma casinha na mesma região, mas no
mirante. Estava bem ao alto, de onde contemplava toda a baixada e também as
demais aldeias da região. Contudo, não foi apenas a mudança geográfica que
observou. Houve outras muito mais significativas.
Ali onde
estava não havia mais os predadores da baixada. Os escorpiões, as cobras, os
morcegos e os ratos não subiam até lá. Também a vizinhança era escassa na
montanha; poucos se interessavam em construir por ali. E os poucos que encontrou
eram bons e não representavam risco moral ou social. Eles também fugiram para lá
em busca de paz e sossego, segurança e felicidade. Eles também tinham vindo da
baixada e agora experimentavam uma nova realidade. Eles contemplavam as nuvens,
os pássaros, as estrelas e toda a beleza do céu azul.
José
tornou-se feliz. Respirava ar puro e sadio. Assistia quase todos os dias o
nascer do sol e acompanhava feliz o entardecer do dia. Cultivava sua lavoura,
criava os seus animais e sustentava a sua família. José encontrara, enfim, um
recanto feliz no alto da montanha. Os tempos não mudaram; a baixada não tinha
acabado; a vizinhança em geral era a mesma. Mas José tinha mudado de vida, pois
decidiu subir ao alto e ali viver feliz, longe do tumulto e da sujeira. Hoje era
ele quem sugeria aos antigos vizinhos decentes que também buscassem o
alto.
José me
inspira. José é um grande desafio.
Nós moramos
na baixada como ele também morava. Estamos à beira do rio fétido e podre de uma
sociedade decadente. Através do celular e das mídias os ratos invadem a nossa
mente, pervertem o nosso lar, destróem os nossos valores e tiram a nossa paz.
Passamos parte do dia a construir e outra parte a consertar os estragos que as
mídias fazem em nossos corações e mentes. As cobras da mentira, da luxúria, do
pecado, da insensatez, das ambições políticas e dos entretenimentos múltiplos
nos ferem, nos picam, nos maculam e nos prendem. A sujeira que deixam é
terrível: custamos a dormir, a conciliar o sono, a ter paz na alma. As guerras,
as desgraças, os entretenimentos e o mundo invadem o nosso imaginário,
deixando-nos depressivos e ansiosos, elevando a nossa pressão, alterando o nosso
batimento cardíaco, complicando a nossa diabete e ferindo a nossa fé. Nós
vivemos na baixada, pensando nas coisas cá de baixo, nas coisas terrenas,
lançando raízes neste mundo tenebroso. Aquilo que deveria ser apenas uma
ferramenta de comunicação e informação torna-se senhor de nossa mente e de nosso
tempo.
Se somos
cristãos não sentimos paz enquanto sorvemos tudo isso. Nós nos justificamos
muitas vezes, quando, escravizados e dependentes, gastamos horas e horas na
frente de um ecrã de telemóvel, na tela do celular, na frente de um computador
ou diante de um televisor. Queremos estar informados, queremos ver o fim da
novela, acompanhar o jogo do futebol, conhecer as notícias e as novas
tendências, examinar tudo para reter o que é bom. Ocorre que o que realmente é
bom não está aqui, com raríssimas exceções. Nós sabemos o que é bom, mas é quase
inalcançável, elevado demais. O tão falado equilíbrio que deveríamos ter fica
longe de nossos olhos e ouvidos: tornamo-nos zumbis.
Então
concluimos, como José, que precisamos subir. Precisamos escalar a montanha da
fé, o alto da comunhão com Deus. Precisamos mudar o nosso modo de viver e passar
a buscar as coisas do Céu, onde Cristo está assentado à destra de Deus.
Precisamos adquirir o hábito de fechar a porta de nosso quarto e dobrar os
joelhos diante da Santíssima Trindade. Precisamos abrir a nossa bíblia de papel
e sorver a leitura regrada e contínua da Santa Palavra de Deus. Precisamos da
solitude com Deus, buscando-O com fé, até que do alto venhamos a ser revestidos
de poder. Isso não é algo eventual, mas uma mudança de hábito, uma mudança de
endereço. Temos que sair da baixada do mundo perdido, que se decompõe a cada
instante, e correr para os braços do Pai, cujo aconchego é o melhor lugar do
mundo! Pelas asas da fé podemos alçar o vôo da águia e chegar aos penhascos mais
elevados, onde mal algum poderá nos atingir! Subindo pela escada de Cristo
poderemos chegar âs mansões celestiais, ainda que apenas num vislumbre. A nossa
presente geração não conhece o que é desfrutar da plenitude do Espírito Santo!
Como vive à beira da baixada, trocou a comunhão com o eterno pelo barulho de
latas vazias, que se batem umas às outras. Gritam, gemem, falam frases
desconexas e vivem mergulhadas no pecado. Isso não é altura; isso é
ilusão!
Lembremo-nos
de Moisés: ele subiu ao alto e ali falou com Deus, trazendo no rosto a marca da
comunhão! Lembremo-nos de Jonas: no ventre do grande peixe ele subiu ao
alto, comungando com Deus, recebendo a nova chance para cumprir o seu
ministério! Lembremo-nos de Daniel: no seu quarto de dormir e na cova dos leões
ele subiu ao alto, encontrando paz e a solução de seus problemas, completando as
revelações que receberia e ouvindo do anjo a frase: "você é conhecido e muito
amado no Céu". Aleluia! Lembremo-nos de Jesus Cristo, o nosso Salvador: Ele
subiu ao alto para ser tentado e ali venceu a Satanás; subiu de novo e foi
transfigurado, exibindo a Sua glória. Subiu novamente e morreu na cruz, atraindo
todos a Si, fazendo-se Cordeiro de Deus. E subiu ao Alto, sentando-se à destra
do Pai, recebendo o selo da aprovação pelo Espírito Santo que nos enviou. E um
dia, oh, glorioso dia, Ele voltará para nos fazer subir mais ao alto ainda,
ressuscitando-nos e dando-nos guarida em Seu reino milenar e, depois, na
eternidade. Aleluia!
Quer ser
vizinho do José? Ainda tem lotes vazios na montanha da comunhão com Deus!
Venha!
Wagner
Antonio de Araújo
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