ELA
SEM
ELE...
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O jovem casal
acabara de comprar uma bela casa de campo. Modesta, simples; porém, bonita,
repleta de árvores frutíferas e jardins floridos. Um rego d'água passava ao
redor e, para chegar à casa era necessário passar pela ponte de madeira, tudo
rústico e belo. Foi uma ótima aquisição. Na verdade uma pechincha, já que os
herdeiros não viam a hora de colocar a mão no dinheiro.
Quando
entraram averiguaram os cômodos. Sujos de poeira pela retirada da mobília e
pertences, mas nenhuma avaria. Um quartinho lá fora estava trancado. Como não
tinham a chave tiveram que arrebentar o cadeado. Lá dentro haviam duas páginas
de papel amarelado, escritas à mão, e uma poltrona velha.
A poltrona
estava boa. Desgastada pelo tempo, precisando de nova forração e acabamentos,
mas a estrutura era forte. Estranharam que os herdeiros não a tivessem levado
consigo. Então pegaram as folhas de papel no chão. Ao lerem-nas, emocionaram-se
muito. Encontraram escritas as seguintes palavras:
"Acabamos
de sepultar o nosso pai. A sua poltrona está aqui, na varanda. Ela sem ele. Como
pode?
Jamais a
vimos sem ele, pois era o seu recanto predileto. Nem caso fazíamos, nem
reparávamos que ela estava ali, ou que ele nela estava sentado. Na verdade
ignorávamos a existência de ambos. Agora vemos que ela está sem
ele...
E dizer
que tudo o que temos aqui foi fruto de seu trabalho, de seu suor! Esta chácara
era um mato fechado, cheia de cobras, repleta de sujeira. Papai comprou a terra
e, junto com mamãe, desbravou cada centímetro. Ele não tinha muitos recursos,
mas o pouco que tinha investiu aqui.
Construiu
primeiro a edícula do fundo e depois foi fazendo o restante necessário. Nesse
tempo o meu irmão e eu nascemos. Era lindo vê-lo a plantar as laranjeiras, os
pessegueiros, as nespereiras, as goiabeiras. Mamãe cuidava do jardim e de nós.
Papai plantou cereais e colheu-os. Mamãe criou galinhas e porcos. A comida não
faltava. Nem a alegria e a felicidade. Meu irmão e eu brincávamos por toda
parte. A nossa infância foi maravilhosa!
A chácara
estava pronta quando tínhamos dez e doze anos. Eles sempre nos deram escola e
supriram as nossas necessidades. Nada nos faltou. Nós, porém, pagamos tudo isso
com a ingratidão da adolescência moderna. Rebeldes, desobedientes, sem juízo,
trouxemos lágrimas para eles. Como foi difícil entendê-los! Achávamos que éramos
muito espertos, muito modernos, que eles eram burros e que não entendiam de
nada! Queríamos dar lições neles, mas na verdade apenas expúnhamos a nossa
mediocridade!
Mamãe
partiu mais cedo, logo após o nosso casamento. Meu irmão formou a sua família e
eu a minha. Moramos todos juntos por um tempo. Os cômodos eram amplos e capazes
de dar alguma privacidade. Mas papai envelheceu e nós nos esquecemos dele. Ao
invés de cuidarmos de suas necessidades e de lhe fazermos companhia, demos mais
valor às nossas prioridades, já que agora também tínhamos os nossos filhos.
Esnobávamos para todos sobre 'a nossa chácara', esquecendo-nos de que só era
nossa porque o nosso pai por ela lutou.
Quantas
vezes o deixamos sozinhos, sentado em sua poltrona! Nas festas de Natal, de Ano
Novo, nos feriados, nos aniversários e outros encontros, sequer ventilávamos a
possibilidade de levá-lo conosco. Apenas prometíamos trazer algum quitute, algum
lanchinho. Na maioria das vezes nos esquecíamos. Mas quem se importava? Ele de
nada reclamava. Sentava-se na sua poltrona velha e ali passava a tarde e a
noite. Só ela e ele. Nós sabíamos que era necessário muito pouco para agradá-lo:
um abraço demorado, um beijo, um dedo de prosa, um presentinho simples, uma
atenção a mais, era tudo o que pedia. E nem isso nós lhe
dávamos!
Papai
ficou bem mais velho. Nós nos mudamos para casas na cidade e ele ficou em sua
chácara. Ele nunca nos pediu nada. Cozinhava para si, lavava as suas roupas,
louvava a Deus sozinho. Ele era membro da igreja evangélica do povoado. No
princípio ainda ia dirigindo. Depois dependia de caronas dos irmãos. Bem depois
já não tinha mais coragem de sair. Nós nunca lhe demos o prazer de estar com ele
nos cultos. Às vezes recebia uma ou outra visita cristã. Aquele era dia de
festa, lembrado por muitos dias. Mas eram poucos. Quando não comentava conosco
ele falava pra ela, para a sua poltrona. Afinal, no fim eram só ela e ele, ele e
ela. Ambos solitários, mas juntos!
Chegou o
dia da partida. Ele a ninguém avisou, a ninguém demonstrou. Parecia estar bem -
e de fato estava. Mas o velho coração parou e nós só soubemos no dia seguinte,
quando o encontramos com a Bíblia no colo, sentado em sua poltrona, com um
sorriso nos lábios. Ele partira com Cristo. Só ele. Ela ficou. E descobrimos
que, com ele, foram embora também os nossos corações! Quantas vezes insistimos
com ele para que fosse para um asilo! O nosso argumento não o convencia. Ele bem
sabia que queríamos colocar a mão no dinheiro o quanto antes, para cobrir as
besteiras que fizemos na vida. Agora, livres para vender, perdemos qualquer
alegria e celebração. Na verdade tudo perdeu o brilho. Tínhamos um tesouro à
nossa frente e o desprezamos!
Agora não
temos mais motivos para manter a chácara conosco, nem a poltrona. Deixamo-la
para quem comprar a propriedade. Mas fazemos um pedido muito especial. Essa
poltrona tem uma razão de existir. Ela serviu o nosso pai e agora servirá de
alerta para vocês.
Não
esqueçam dos seus pais. Não os desprezem. Não ignorem a existência deles. Não
deixem que uma poltrona, uma cama ou um andador sejam mais íntimos deles do que
vocês mesmos! Papai se foi, mas as nossas consciências dóem profundamente.
Lamentamos do fundo da alma só termos prestado a atenção nele depois que não
estava mais conosco. Só demos por sua falta quando encontramos a sua poltrona
vazia. Para nós agora é tarde.
Vocês
também ficarão velhos, como nós já começamos a ficar. Os nossos filhos também
nos desprezam, como nós desprezamos o nosso pai. Nós nos arrependemos, mas não
temos mais como consertar o estrago. Se vocês, que compraram a chácara, forem
jovens, se ainda possuirem pais vivos, não façam o que fizemos. Um dia uma
poltrona velha falará tão alto e gritará de tal forma que não conseguirão ter
paz no coração. Que Deus nos perdoe. Que o perdão de Cristo, do qual papai tanto
falava, nos alcance. Arrependidos até o fundo da alma nós estamos. Por isso
deixamos a poltrona como alerta.
Sejam bom
para os seus idosos. Adeus."
O casal
comprador, em pranto e com muita emoção, dobrou os joelhos no chão e orou com
fervor para que pudessem ser bons com os seus pais e que jamais deixassem que
eles tivessem um fim tão triste como o pai desses herdeiros. Que construíssem
uma realidade diferente, onde o reconhecimento dos que antecederam fosse
presente e que os filhos aprendessem a valorizá-los desde cedo, para não
receberem a fatura quando adultos. E que a memória desse senhor tão generoso,
maltratado pelos filhos, não fosse esquecida. Sua vida teve um propósito.
Propósito de alerta!
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Que esta
estória sirva de lição para cada um de nós.
Amém.
Wagner
Antonio de Araújo
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